sábado, 29 de junho de 2013

O sofrimento desorganiza


(texto de Vera Cristina Weissheimer)
Sofrimento é o que nos desorganiza, tira o chão – é tempestade que arrasa. E depois de tudo, só resta juntar tijolo por tijolo, caco por caco e reconstruir, como fizeram as mulheres que ficaram conhecidas como “as mulheres dos escombros” (Trümmerfrauen) na Alemanha. Depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria das cidades estava destruída, e as mulheres começaram a separar tijolos dos escombros para reconstruir suas vidas, casas e cidades. Era comum encontrar, nesses grupos, até mesmo mulheres de 80 anos.
Reconstruir é sempre possível, não sobre os escombros, negando-os como se não existissem, varrendo a dor e o sofrimento para debaixo de algum tapete. Ao contrário, é preciso aceitar a destruição para poder, a partir dela, encontrar matéria-prima para uma reconstrução. Chega o momento em que é preciso olhar o que restou e ali vislumbrar a vida possível. É preciso uma reconciliação com o passado, com nossos sonhos, pesadelos e amores desfeitos, afirma o psicanalista Abrão Slavutzky, pois só assim é possível abrir-se para o amanhã. Fazer as pazes com o passado para podemos seguir em frente.
Não só com alegrias, altos, ganhos e sucessos que vamos escrevendo e reescrevendo;  construindo e reconstruindo nossa vida; as tristezas, os baixos, as perdas, os fracassos são importante matéria-prima. Reconciliar-se com a parte dura, doída de nossa história é indispensável para se conseguir ir adiante e não ficar empacado diante de uma árvore quando a floresta toda está ali ao nosso redor.
Sim, as noites estão prenhes de boas novas. Essas ficam visíveis ao amanhecer. Mas ninguém sabe o dia que nascerá enquanto ainda está na noite. Em nossos tempos de escuridão há um germe do qual poderá nascer um novo sentido, um novo dia e outros significados para a vida. Mas o germe poderá também ficar para sempre na possibilidade do que poderia ter sido. Quem passa pelo sofrimento sem encontrar esse germe fica para sempre na madrugada, só na perspectiva, sem conseguir sair da escuridão, sem nunca chegar ao amanhecer. Quem, no entanto, viver esse encontro sairá de sua noite tendo encontrado o seu amanhecer.
Nenhum sofrimento vai durar para sempre. Eu sei! A alegria também não. Para o poeta e compositor Vinícius de Moraes, o “sofrimento é o intervalo entre duas alegrias”. Assim é a vida. A felicidade, a alegria, a esperança não são um fim em si, são caminhos, são exercícios, e é preciso caminhar sempre. A alegria contagia, mas a tristeza e o sofrimento também. Sofrimento também pode ser vício – quando alguém se ocupa com sua dor como se fosse o único a padecer. Não consegue se liberar para a vida, porque o sofrimento passou a ser o significado da própria vida – constrói um cemitério particular, ali vai enterrando os dias, os sonhos, os planos não realizados, e vai se enterrando junto um pouco mais a cada dia.
Encarar o sofrimento é deixar-se questionar por ele: Por que estou sofrendo? O que está doendo? O que impede que eu pare de sofrer? Para que estou sofrendo o que sofro? O que esta dor pode me ensinar? Estou disposta a aprender a lição? Responder a essas perguntas é um bom começo na busca pela matéria-prima para uma reconstrução