quarta-feira, 16 de novembro de 2011



A mudança neste blog se deve aos pedidos feitos por pacientes da clínica feminina do CPR - Centro Paulista de Recuperação, que participam do Grupo de Espiritualidade que coordeno duas vezes por mês em tardes de sábado.


Elas queriam  continuar conversando sobre espiritualidade, também depois da alta, assim como fazem nossas reuniões. E assim nasceu a ideia de transformar esse blog num espaço de apoio para quem está começando o processo de alta - tempo de fazer novas escolhas, fechar algumas portas e abrir outras. 
Estar de alta após algum tempo (curto ou longo) de internação, é nunca estar de alta, é sempre vigiar para não recair e orar pedindo a proteção e sustentação do Criador quando a tarefa de viver fora da Clínica ficar pesada demais.

Só por hoje... funciona.

domingo, 11 de setembro de 2011

Ele dorme em nosso barco

Afasto-me da janela. Acendo uma vela para espantar a escuridão da sala. De repente, sinto dor, tanta dor que já nem sei se é no corpo, n’alma ou se é medo de não ser. Escorro pelas paredes como um relógio de Salvador Dalí. Sinto-me líquida, sem forças para abrir a janela e respirar o ar lá de fora – promessa do vento, que vejo lamber as árvores. Ah! É-me pesado demais respirar. A dor é faca afiada que entra na carne e lá se revolve estraçalhando, abrindo sulcos como o torno que gira em minha cabeça. Nesses momentos, e só nesses momentos, consigo concordar com Schopenhauer, filósofo alemão, que disse que a vida se resume na tristeza. Na maior parte do tempo, acredito que o sofrimento é necessário, mas a alegria é revolucionária e nos liberta. Isto é Nietzsche, outro filósofo. A tristeza debilita nossa alma, mas também nos leva para um poço profundo dentro de nós. Enquanto caímos, vamos perdendo nossas forças para redescobri-las lá no fundo. Precisamos nos esvaziar daquilo que julgávamos que nos pertencia, nossas forças, nossos amores, nossas alegrias, nossas perdas. Parece um contrassenso encontrar as forças em nossa mais dolorida fraqueza. Mas é lá, no mais profundo de nosso poço interior, que descobrimos que há um recomeço possível. Há um mistério que nos liga com algo que transcende a nossa própria vida, com aquilo que não conhecemos e não chegaremos a conhecer, justamente porque é mistério. Quando descobrimos esse fio de ligação com o sagrado, somos salvos de nossa própria arrogância. Lembro do desespero dos discípulos de Jesus que não conseguem
se conter diante do pânico dentro de um barco que parece querer virar, assolado pelos ventos de uma tempestade em alto mar. São tomados de uma profunda decepção e tristeza ao perceberem que seu mestre dorme sobre a almofada do timoneiro na proa (Lucas 8.22-25). Como disse Tereza de Ávila: “Se ele dorme em nosso barco, porque ter medo?”. Que possamos (tentar) enterrar as tristezas, as sombras e os medos e ir atrás da alegria perdida, porque também o Mestre espantou as tempestades,
acalmou o mar. Ele dorme em nosso barco, por que então o desespero com a tempestade?
(Vera Cristina Weissheimer do livro "Escolhas")















"Não arraste as suas asas,
elas foram feitas para o voo."
(Vera Cristina Weissheimer)


terça-feira, 6 de setembro de 2011

Dê-me três razões para continuar viva...

(Lya Luft. Perdas e Ganhos. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 2003 p. 54-55)


A mulher estava pegando as chaves do carro (o marido já tinha saído para levar as crianças à escola) quando tocaram a campainha.
Vagamente irritada, pois já se atrasara o bastante, ela abre a porta:
- Sim?
O rapaz alto e estranho, andrógino, belo e feio, alto e baixo, negro e louro, faz um sinalzinho dobrando o indicador:
- Vim buscar você.
Não era preciso explicar, a mulher entendeu na hora: o Anjo da Morte estava ali, e não havia como escapar. Mas, acostumada a negociações, mesmo perturbada ela rapidamente pensou que era cedo, cedo demais, e tentou argumentar:
- Mas, como, o quê? Agora, assim sem aviso sem nada? Nem um prazo decente?
O Anjo sorri, um sorriso bondoso e perverso, suspira e diz:
- Mas ninguém tem a originalidade de me receber com simpatia neste mundo, ninguém nunca está preparado? Está certo que você só tem 40 anos, mas mesmo os de 80 se recusam.
A mulher agarrou firme a chave do carro, que afinal encontrara na bolsa, e insistiu:
-Vem cá, me dá um chance.
O Anjo teve pena, aquela mulher estava realmente apavorada. Ah! Os humanos... Então teve um acesso de bondade e concedeu:
-Tudo bem. Eu te dou uma chance, se você me der três boas razões para não vir comigo desta vez.
(Passava um brilho malicioso nos olhos azuis e negros daquele Anjo.)
A mulher aprumou-se, claro, ela sabia que ia dar certo. Mas quando abria a boca para começar sua ladainha de razões, muito mais que três, ah sim, o Anjo ergueu um dedo imperioso:
- Espera aí. Três razões, mas...não vale dizer que é por que o marido e filhos precisam de você. O que interessa é você, você mesma.Por que valeria a pena ainda deixa-la por aqui algum tempo?

Com que argumentos persuadiríamos o anjo visitante de ainda não nos levar?




terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Fazer escolhas

Viver é, o tempo todo, fazer escolhas. Escolher seguir por ali ou por aqui, rumar para o oeste e não para qualquer outra direção que indiquem os pontos cardeais. É escolher abrir a porta e outras vezes fechar, é escolher chorar algumas vezes, mas também rir tantas outras, é rir da vida e de si mesmo. Viver é escolher e acolher as conseqüências dessas escolhas como frutos que nos pertencem. Não escolher já é fazer uma escolha, escreve Viktor Frankl. Quando portas forem se fechando diante de nós, à revelia de nossa vontade, temos ainda, em nossas mãos, o poder de escolher que atitude tomar diante do que nos aconteceu. Podemos ser as vítimas do acaso, das mãos alheias, do destino, ou podemos continuar sendo os escrivinhadores da própria história.


Se, nesses momentos em que portas se fecham, dermos uma pequena chance a nós mesmos e olharmos para os lados podemos ser surpreendidos com outras portas se abrindo. A porta que é fechada gera um vácuo que abre outras. Na pior das hipóteses, se não encontrar nenhuma porta aberta, haverá janelas. E, algumas vezes, são essas janelas, que se abrem tímidas, que nos convidam para dar uma espiada por entre as suas vidraças. E é justamente ali que podemos enxergar algum horizonte.
Escolher viver é tomar consciência de que é essa a vida que temos para viver e que ela é por demais curta para ser vivida de forma pequena. Como saber se estamos no caminho certo, se fizemos as escolhas certas? A vida nos trará essas respostas.
(Vera Cristina Weissheimer)