terça-feira, 14 de setembro de 2010

(escultura de Dorothea Steigerwald)

(do meu livro "Eu vi as tuas lágrimas")
Quando criança, muitas vezes perguntei à minha bisavó Alvina sobre os porquês de acontecerem coisas ruins às pessoas boas que eu conhecia. Contando suas histórias e causos, minha bisavó encontrou uma maneira de responder às minhas perguntas e acalmar-me em minhas dúvidas. Nunca tive certeza se o que ela me contava era verdadeiro ou inventado. Na verdade, muito mais tarde aprendi que as histórias, quando servem para iluminar aquelas partes da vida que ainda não compreendemos, tornam-se verdadeiras – porque a luz que lançam sobre nossas dúvidas e medos é verdadeira.
Uma das histórias que muitas vezes ouvi como resposta à minha pergunta fala sobre uma mulher desesperada que procura um remédio para tirar seu bebê do colo da morte.


Uma mulher viu seu filho, ainda bebê, ficar doente e morrer em seus braços. Desesperada por não saber nem conseguir fazer nada para salvar seu filho, a pobre mulher saiu pelas ruas implorando que alguém a ajudasse a encontrar um remédio que o salvasse da morte. Como ninguém podia ajudá-la, a mulher foi procurar um sábio que morava nas montanhas. Com a criança nos braços, tentou explicar sua angústia.


O sábio homem, então, respondeu que havia somente uma maneira para que a mulher pudesse encontrar alívio para a sua dor. Ela deveria voltar para a sua cidade e trazer para ele uma semente de mostarda de uma casa onde não houvesse sofrimento por causa de alguma perda. A mulher ficou cheia de esperança. Foi, então, de casa em casa. Mas, para sua surpresa, ouvia sempre a mesma resposta. “Muita gente já morreu nesta casa”; “muitos sonhos se perderam nessa família”; “desculpe, já houve morte em nossa família”; “aqui nós perdemos um bebê também”.


Depois de percorrer todas as casas de sua aldeia sem conseguir a sua semente de mostarda, a mulher compreendeu a lição. Então, voltou à montanha e disse ao sábio: “A dor me deixou cega.


Eu me sentia a única pessoa sofrendo na face da terra, a única que perdera um filho, a única a segurar seu bebê morto nos braços.

Já recebi essa história por e-mail como sendo uma lenda chinesa, uma história russa, uma fábula tibetana e por último como uma lenda africana. Esse tipo de fábula se espalha por diferentes culturas, porque a necessidade de entender a dor provocada pela morte de alguém que amamos é a mesma em qualquer parte do mundo. Talvez esta tenha sido criada por alguém que precisou dar sentido à sua dor ou à dor de quem amava e se fazia a mesma pergunta: por que coisas ruins acontecem às pessoas boas?

(do meu livro "Eu vi as tuas lágrimas")


Muitas vezes ouvi a minha bisavó Alvina, rodeada de mulheres, contar suas histórias em torno do fogão a lenha. Outras vezes, ela ficava em silêncio e ouvia atentamente as dores que lhe eram confidenciadas, enquanto tomava o seu chimarrão. Era muito comum que depois da morte de algum vizinho as mulheres se reunissem em sua casa. Então, era hora de costurarem velhas e novas recordações para que o morto não fosse tão rapidamente esquecido.



Há uma pequena história que lembro ter ouvido minha bisavó contar inúmeras vezes. É sobre o medo de se arriscar a viver. Mesmo que fiquemos parados no mesmo lugar por horas ou dias, ainda assim, a vida vai passar – por nós –, o tempo vai passar e vamos envelhecer sem termos vivido, porque estávamos parados. A história era mais ou menos assim:


Era uma vez um riacho de águas limpas e cristalinas que serpenteava por montanhas lindíssimas. Em certo ponto de seu percurso, o riacho notou que à sua frente havia um pântano imundo, por onde teria que passar com as suas águas transparentes.
Olhou, então, para Deus e protestou: “Senhor, que castigo! Eu sou um riacho tão límpido, tão formoso, e você me obriga a atravessar um pântano sujo como esse? Como faço agora?”


E Deus respondeu: “Isso depende de sua maneira de encarar o pântano. Se ficar com medo, vai diminuir o ritmo de seu curso, dará voltas e, inevitavelmente, acabará misturando suas águas com as do pântano, o que o tornará igual a ele.


Se você enfrentar o pântano com velocidade, com força, com decisão e coragem, vai atravessá-lo abrindo caminho em meio à lama. Deixará para trás parte de suas águas, mas vencerá o pântano. Mas o que é perder parte das águas para a tragédia comparado a se perder totalmente no pântano?”


Minha bisavó era a conselheira da vizinhança. As conversas na sua cozinha eram terapêuticas. “Não é preciso ter pressa em soltar os nós”, dizia ela. Portanto, não apresse quem está do seu lado sofrendo em silêncio. Há tempo de ficar calado e há tempo de falar. Tudo terá o seu tempo. É como se a dor precisasse de um tempo para madurar e então conseguir virar palavra. Foi com minha bisavó Alvina que aprendi que é possível encontrar algum tipo de cura quando somos capazes de transformar em palavras a dor que sentimos. Algumas vezes, como os amigos de Jó que ficaram sete dias em silêncio ao seu lado, é só silêncio o que alguém pode nos oferecer. O silêncio é benfazejo quando carregado de carinho, solidariedade e compaixão. Há aqueles momentos em que a dor parece grande demais e palavra nenhuma é capaz de carregá-la. “Perder um filho é uma dor sem nome”, disse uma mãe.


(Eu vi as tuas lágrimas/Editora Sinodal. 2009)
“Você não vai receber outra vida como esta. Você nunca mais vivenciará o mundo exatamente desta maneira, com esses pais, filhos, familiares e amigos. Nem experimentará a Terra com todas as suas maravilhas novamente neste período da História. Não espere o momento em que desejará dar uma última olhada no oceano, no céu, nas estrelas ou nas pessoas queridas. Vá olhar agora.”

Elisabeth Kübler-Ross e David Kessler

“Talvez a fé, a esperança e o amor não resolvam tudo e nem todos os nossos problemas. Mas a vida sempre terá valido mais a pena se tivermos tido a sabedoria de ter fé e esperança e a coragem de amar.”

(Vera Cristina Weissheimer)