terça-feira, 14 de setembro de 2010


(do meu livro "Eu vi as tuas lágrimas")


Muitas vezes ouvi a minha bisavó Alvina, rodeada de mulheres, contar suas histórias em torno do fogão a lenha. Outras vezes, ela ficava em silêncio e ouvia atentamente as dores que lhe eram confidenciadas, enquanto tomava o seu chimarrão. Era muito comum que depois da morte de algum vizinho as mulheres se reunissem em sua casa. Então, era hora de costurarem velhas e novas recordações para que o morto não fosse tão rapidamente esquecido.



Há uma pequena história que lembro ter ouvido minha bisavó contar inúmeras vezes. É sobre o medo de se arriscar a viver. Mesmo que fiquemos parados no mesmo lugar por horas ou dias, ainda assim, a vida vai passar – por nós –, o tempo vai passar e vamos envelhecer sem termos vivido, porque estávamos parados. A história era mais ou menos assim:


Era uma vez um riacho de águas limpas e cristalinas que serpenteava por montanhas lindíssimas. Em certo ponto de seu percurso, o riacho notou que à sua frente havia um pântano imundo, por onde teria que passar com as suas águas transparentes.
Olhou, então, para Deus e protestou: “Senhor, que castigo! Eu sou um riacho tão límpido, tão formoso, e você me obriga a atravessar um pântano sujo como esse? Como faço agora?”


E Deus respondeu: “Isso depende de sua maneira de encarar o pântano. Se ficar com medo, vai diminuir o ritmo de seu curso, dará voltas e, inevitavelmente, acabará misturando suas águas com as do pântano, o que o tornará igual a ele.


Se você enfrentar o pântano com velocidade, com força, com decisão e coragem, vai atravessá-lo abrindo caminho em meio à lama. Deixará para trás parte de suas águas, mas vencerá o pântano. Mas o que é perder parte das águas para a tragédia comparado a se perder totalmente no pântano?”


Minha bisavó era a conselheira da vizinhança. As conversas na sua cozinha eram terapêuticas. “Não é preciso ter pressa em soltar os nós”, dizia ela. Portanto, não apresse quem está do seu lado sofrendo em silêncio. Há tempo de ficar calado e há tempo de falar. Tudo terá o seu tempo. É como se a dor precisasse de um tempo para madurar e então conseguir virar palavra. Foi com minha bisavó Alvina que aprendi que é possível encontrar algum tipo de cura quando somos capazes de transformar em palavras a dor que sentimos. Algumas vezes, como os amigos de Jó que ficaram sete dias em silêncio ao seu lado, é só silêncio o que alguém pode nos oferecer. O silêncio é benfazejo quando carregado de carinho, solidariedade e compaixão. Há aqueles momentos em que a dor parece grande demais e palavra nenhuma é capaz de carregá-la. “Perder um filho é uma dor sem nome”, disse uma mãe.


(Eu vi as tuas lágrimas/Editora Sinodal. 2009)

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