quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Estamos sempre de passagem... A vida é um grande momento de passagem, há o tempo de nascer e há o tempo de morrer. Assim como as estações do ano. Há a primavera com as flores e o verão com o calor, mas há também o outono quando as folhas caem e o inverno vem trazendo o frio.
(Vera Weissheimer)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

(escultura de Dorothea Steigerwald)

(do meu livro "Eu vi as tuas lágrimas")
Quando criança, muitas vezes perguntei à minha bisavó Alvina sobre os porquês de acontecerem coisas ruins às pessoas boas que eu conhecia. Contando suas histórias e causos, minha bisavó encontrou uma maneira de responder às minhas perguntas e acalmar-me em minhas dúvidas. Nunca tive certeza se o que ela me contava era verdadeiro ou inventado. Na verdade, muito mais tarde aprendi que as histórias, quando servem para iluminar aquelas partes da vida que ainda não compreendemos, tornam-se verdadeiras – porque a luz que lançam sobre nossas dúvidas e medos é verdadeira.
Uma das histórias que muitas vezes ouvi como resposta à minha pergunta fala sobre uma mulher desesperada que procura um remédio para tirar seu bebê do colo da morte.


Uma mulher viu seu filho, ainda bebê, ficar doente e morrer em seus braços. Desesperada por não saber nem conseguir fazer nada para salvar seu filho, a pobre mulher saiu pelas ruas implorando que alguém a ajudasse a encontrar um remédio que o salvasse da morte. Como ninguém podia ajudá-la, a mulher foi procurar um sábio que morava nas montanhas. Com a criança nos braços, tentou explicar sua angústia.


O sábio homem, então, respondeu que havia somente uma maneira para que a mulher pudesse encontrar alívio para a sua dor. Ela deveria voltar para a sua cidade e trazer para ele uma semente de mostarda de uma casa onde não houvesse sofrimento por causa de alguma perda. A mulher ficou cheia de esperança. Foi, então, de casa em casa. Mas, para sua surpresa, ouvia sempre a mesma resposta. “Muita gente já morreu nesta casa”; “muitos sonhos se perderam nessa família”; “desculpe, já houve morte em nossa família”; “aqui nós perdemos um bebê também”.


Depois de percorrer todas as casas de sua aldeia sem conseguir a sua semente de mostarda, a mulher compreendeu a lição. Então, voltou à montanha e disse ao sábio: “A dor me deixou cega.


Eu me sentia a única pessoa sofrendo na face da terra, a única que perdera um filho, a única a segurar seu bebê morto nos braços.

Já recebi essa história por e-mail como sendo uma lenda chinesa, uma história russa, uma fábula tibetana e por último como uma lenda africana. Esse tipo de fábula se espalha por diferentes culturas, porque a necessidade de entender a dor provocada pela morte de alguém que amamos é a mesma em qualquer parte do mundo. Talvez esta tenha sido criada por alguém que precisou dar sentido à sua dor ou à dor de quem amava e se fazia a mesma pergunta: por que coisas ruins acontecem às pessoas boas?

(do meu livro "Eu vi as tuas lágrimas")


Muitas vezes ouvi a minha bisavó Alvina, rodeada de mulheres, contar suas histórias em torno do fogão a lenha. Outras vezes, ela ficava em silêncio e ouvia atentamente as dores que lhe eram confidenciadas, enquanto tomava o seu chimarrão. Era muito comum que depois da morte de algum vizinho as mulheres se reunissem em sua casa. Então, era hora de costurarem velhas e novas recordações para que o morto não fosse tão rapidamente esquecido.



Há uma pequena história que lembro ter ouvido minha bisavó contar inúmeras vezes. É sobre o medo de se arriscar a viver. Mesmo que fiquemos parados no mesmo lugar por horas ou dias, ainda assim, a vida vai passar – por nós –, o tempo vai passar e vamos envelhecer sem termos vivido, porque estávamos parados. A história era mais ou menos assim:


Era uma vez um riacho de águas limpas e cristalinas que serpenteava por montanhas lindíssimas. Em certo ponto de seu percurso, o riacho notou que à sua frente havia um pântano imundo, por onde teria que passar com as suas águas transparentes.
Olhou, então, para Deus e protestou: “Senhor, que castigo! Eu sou um riacho tão límpido, tão formoso, e você me obriga a atravessar um pântano sujo como esse? Como faço agora?”


E Deus respondeu: “Isso depende de sua maneira de encarar o pântano. Se ficar com medo, vai diminuir o ritmo de seu curso, dará voltas e, inevitavelmente, acabará misturando suas águas com as do pântano, o que o tornará igual a ele.


Se você enfrentar o pântano com velocidade, com força, com decisão e coragem, vai atravessá-lo abrindo caminho em meio à lama. Deixará para trás parte de suas águas, mas vencerá o pântano. Mas o que é perder parte das águas para a tragédia comparado a se perder totalmente no pântano?”


Minha bisavó era a conselheira da vizinhança. As conversas na sua cozinha eram terapêuticas. “Não é preciso ter pressa em soltar os nós”, dizia ela. Portanto, não apresse quem está do seu lado sofrendo em silêncio. Há tempo de ficar calado e há tempo de falar. Tudo terá o seu tempo. É como se a dor precisasse de um tempo para madurar e então conseguir virar palavra. Foi com minha bisavó Alvina que aprendi que é possível encontrar algum tipo de cura quando somos capazes de transformar em palavras a dor que sentimos. Algumas vezes, como os amigos de Jó que ficaram sete dias em silêncio ao seu lado, é só silêncio o que alguém pode nos oferecer. O silêncio é benfazejo quando carregado de carinho, solidariedade e compaixão. Há aqueles momentos em que a dor parece grande demais e palavra nenhuma é capaz de carregá-la. “Perder um filho é uma dor sem nome”, disse uma mãe.


(Eu vi as tuas lágrimas/Editora Sinodal. 2009)
“Você não vai receber outra vida como esta. Você nunca mais vivenciará o mundo exatamente desta maneira, com esses pais, filhos, familiares e amigos. Nem experimentará a Terra com todas as suas maravilhas novamente neste período da História. Não espere o momento em que desejará dar uma última olhada no oceano, no céu, nas estrelas ou nas pessoas queridas. Vá olhar agora.”

Elisabeth Kübler-Ross e David Kessler

“Talvez a fé, a esperança e o amor não resolvam tudo e nem todos os nossos problemas. Mas a vida sempre terá valido mais a pena se tivermos tido a sabedoria de ter fé e esperança e a coragem de amar.”

(Vera Cristina Weissheimer)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Toda mulher precisa de um chapéu vermelho e uma echarpe lilás

Brechós têm cheiros de saudade, as roupas têm histórias de perdas, de ganhos, de mortes e separações. Há aqui na cidade um, que fica na Rua Lisboa, rodeado por uma jabuticabeira e um pé de Três Marias que vai se agarrando à parede de tijolo cru até chegar na janela do segundo andar.
Numa quarta-feira, ou talvez, tenha sido uma quinta feira,resolvi entrar lá. Precisava ficar só.


Entre chapéus, echarpes e veludos fiquei olhando a cidade da janela emoldurada pelas Três Marias. Olhei com olhos de um outro tempo. Quando a vida andava em outro ritmo, mais lento. Não se corria. Do canto esquerdo, ao lado da janela, vem um cheiro de cravo destilado por uma vela que queima charmosa sobre a mesinha de imbuia. Um homem de cavanhaque grisalho e olhos de mar profundo, com um cachimbo apagado no canto direito da boca, oferece-me, em silêncio, um cálice de licor de amêndoa. Depois, aponta com o braço esquerdo para um jardim interno onde há uma pequena mesa de ferro com duas cadeiras. No canto à direita de quem entra no jardim, há um frágil pé de romã carregado de frutos maduros, ao lado, uma fonte de água convidando ao silêncio.


Antes de ir até o jardim peguei um chapéu vermelho e uma echarpe lilás, fiquei sentada ali por um bom tempo. Fiquei pensando. Pensando que o que tenho não me pertence embora faça parte de mim. Tudo o que sou, foi me emprestado, para que eu possa dividir com aqueles que entram em minha vida.


Ninguém, absolutamente ninguém, cruza nosso caminho por acaso e nós não entramos na vida de alguém sem haver alguma razão. Assim, como faço parte desse brechó, desse homem de cavanhaque com seu cachimbo apagado que me deixou ficar em meu silêncio sem querer saber o motivo de minha mudez.
Assim, também, como agora, faço parte de você e você de mim. Há muito o que dar e o que receber; há muito o que aprender, com todas as nossas experiências boas, inclusive as ruins, também com aquelas que nos fazem chorar.


Se tentarmos ver as coisas negativas que acontecem conosco como algo que tem a sua razão de ser, já aprenderemos a reclamar menos. Ficar lamentando o que aconteceu só vai cobrir os olhos com vendas pesadas. Quando não conseguimos deixar para trás as mágoas, voltando sempre de novo à elas, metendo o dedo na dor, a ferida vai se tornando maior do que era no início e não vai sarar.
Nem sempre as pessoas nos ferem voluntariamente. Muitas vezes, somos nós que nos sentimos feridos, a pessoa nem mesmo percebeu que nos feriu mortalmente. Nos sentimos decepcionados porque alguém não corresponde às nossas expectativas, mas as expectativas são somente nossas. E, sabemos quais eram as expectativas do outro em questão? Nós, tanto nos decepcionamos, quanto decepcionamos a outros. É mais fácil pensar nas coisas que nos atingem.  Quando alguém lhe disser que magoou sem intenção. Acredite! Vai lhe fazer bem, e assim talvez ela poderá entender quando você, sinceramente, disser “foi sem querer”.


Dê de você mesmo o quanto puder! Você sabe, que quando você se for, a única coisa que vai deixar é a lembrança do que foi aqui nessa vida? Seu cheiro será saudade, suas roupas recordarão momentos, causas, perdas e suas histórias. Portanto, seja bom, tente dar sempre os passos necessários. Nunca negue a ajuda que está ao seu alcance. Perdoe. Seja uma bênção. Deus não vem em pessoa para nos abençoar. Ele usa os que estão aqui dispostos a cumprir essa missão. Viva de maneira que, quando você se for, muito de você ainda fique naqueles que tiverem a oportunidade de conhecê-lo.


Lembro ainda hoje, a bênção que foi aquele homem naquela quarta-feira no brechó brindando o meu silêncio com aquele licor. Lembro, como se fosse agora que, depois de algum tempo, talvez tivessem se passado horas, levantei e entreguei o chapéu e a echarpe. Mas ele me disse calmamente: “Leve! Toda mulher precisa de um chapéu vermelho e uma echarpe lilás.”


Então, fui para a vida. Certa que seria mais feliz com meu chapéu vermelho e minha echarpe lilás.
 (Vera Cristina Weissheimer)



As chuvas de março



A pior maneira de manter um casamento

é privando o outro de sua liberdade.

Se você amarrar dois pássaros,

eles terão quatro asas,

mas nunca conseguirão voar.


(Djeladin Rumi)





As chuvas de março trazem um cheiro de terra molhada, mesmo onde o asfalto já sepultou quase todos os jardins e os playgrounds têm grama artificial. O cheiro é tão convidativo que levanto da cama e no escuro da sala vejo pela janela a cidade sendo lavada. A noite é quebrada por raios vorazes. Depois, novamente, a calma da chuva como o bater calmo do coração do homem que convida você para deitar sobre seu peito para, mais uma vez, refazerem os acordos, para depois desfazê-los e quebrá-los novamente. Afinal, acordos são para isso.

Casamento é um fazer acordos e quebrar acordos firmados por dois apaixonados para depois fazer outros, mais de acordo com a nova fase do amor. O amor tem mais fases que a lua, mais tensões que as mulheres em período menstrual.

Mas a vida fica mais leve e o casamento, essa aliança que você faz com alguém terá mais sentido se estiver verdadeiramente apaixonado por você mesmo. É uma aliança com você mesmo. Isso é obvio demais? Mas também o óbvio precisa ser repetido até fazer sentido. Precisamos nos amar profundamente para amarmos outra pessoa. Do contrário, amamos mal.

Apaixonar-se pela gente é a mais difícil das tarefas. Comece por apaixonar-se pelas suas memórias mais deliciosas. Ninguém pode tirá-las de dentro de você, seus causos, suas risadas mais endiabradas, aqueles momentos em que você teve coragem de desembarcar da tristeza, tudo isso será uma excelente fonte de inspiração em momentos escuros.

Pare de acreditar que o outro será o seu remédio, a sua metade, aquela porção que vai completar o imenso buraco de sua alma. Isso é tarefa grandiosa por demais para jogar assim, sem mais nem menos, nas mãos de nossos amados e amadas. Seremos sempre frações, mas ainda assim, é possível ter momentos de completude sozinha numa madrugada diante da janela vendo a chuva bater contra o vidro.

Há um rio de forças e de luz que corre ai dentro de você. É preciso entrar nessas águas sem tantos medos. Então, vai encontrar ali o seu ponto de ligação com o divino, o fio invisível que conecta você aos mistérios da vida. Você continuará fração, mas a busca pela plenitude já não estará mais no outro mas em você mesmo, no encontro profundo e íntimo com as partes que ficaram perdidas em algum lugar.

O amor de duas pessoas inteiras, ainda que fracionadas, é mais saudável, haverá mais aconchego, menos exigência, mais respeito e muito mais perdão.

Para ir ao encontro dessas águas que correm em você, não há receita, nem cartilha ou métrica. Algumas vezes é preciso aceitar que a maré suba e inunda tudo, que a correnteza derrube, que o barco vire para permitir-se ancorar em outras margens.

Então, apaixone-se sempre de novo por você, pelos seus segredos. Afinal, precisamos de segredos e mistérios, para não sucumbir às banalidades dessa vida e às cobranças dos outros. Apaixone-se sempre por seus pontos fortes mesmo que os pontos fracos insistam em ficar em alto relevo no seu cérebro. Apaixone-se por suas idéias, mesmo que tenham dito que elas não serviam para nada. Apaixone-se pela música que você pode ser para alguém. Apaixone-se por você e será mais feliz com quem estiver ao seu lado.

Fecho a janela, me despeço da chuva e volto para a cama onde dorme meu amor coberto pela madrugada.
(Vera Cristina Weissheimer)



Um ponto e vírgula





Hoje tomei a decisão. A de colocar um ponto e vírgula na minha vida. É mais do que uma pausa. Sim, um ponto e vírgula porque, segundo as normas gramaticais, este sinal gráfico quer dar a entoação equivalente ao ponto final, mas não quer encerrar o período. Se eu quisesse encerrar o período me suicidaria. O que, definitivamente, não é o caso. Então, creio que colocar um ponto e vírgula possa resolver a minha atual situação. E qual é mesmo a situação em pauta? A de me separar de uma parte de mim. Separar-me dessa mulher que ficou triste demais com o passar desses anos.

Um amigo, após um cálice de vinho, na tentativa de redimir o ponto final me disse; que só o ponto e vírgula não basta. Algumas vezes, é preciso, disse-me ele, mais do que um ponto e vírgula, o ponto final é necessário. Pediu-me, então, que não temesse o ponto final, já que ele não é tão final assim, e geralmente vem seguido de um novo parágrafo. Então, se entendi bem o meu amigo, pra que o ponto final não seja “FIM” ou o “The End” daqueles filmes americanos das sessões da tarde é preciso que eu comece a escrever um novo parágrafo. Pois bem.

O que sei é que preciso ir em busca de pedaços de mim que ficaram perdidos em algum vão dessa vida. Preciso resgatar meu riso, não que o choro não seja importante, é vital. As lágrimas nos limpam, nos lavam, nos purificam. Mas tenho chorado por demais da conta. Quero dar férias para mim mesma. Preciso encontrar algo que ficou no meio do caminho. Meu riso, minha vontade de fazer poesia, minha coragem de enfrentar os leões, que sempre são tantos. Preciso reencontrar a minha vontade de ficar viva.

Eu preciso encontrar comigo, cuidar de mim, como talvez nunca tenha feito. E foi meu amor que me ensinou a cuidar de mim, quando disse que precisava de mim.

Estou aliviando meus pesos para não afundar. Lembro-me sempre daqueles avisos que são dados nos aviões antes da decolagem, pelos comissários de bordo: “Em caso de emergência cairão máscaras de oxigênio a sua frente. Se tiver uma criança ao seu lado, coloque primeiro a máscara em você para depois colocar a máscara na criança.”

Quase nunca prestamos atenção, mas esses avisos são uma metáfora para a vida. Nós precisamos de cuidados também. Precisamos cuidar de nós mesmos como criaturas preciosas que somos e só assim conseguiremos cuidar dos outros sem que nos falte oxigênio.

Estou indo em busca de oxigênio. E você como está?
(Vera Cristina Weissheimer)
O rasgo




Glorinha chega para a sua primeira sessão de análise. O analista que conhecera na semana anterior, abre a porta e num sorriso a convida para entrar na sala. Aquele sotaque castelhano era encantador, a cabeleira branca sempre cuidadosamente desalinhada, sempre com aparência de desleixo, mas era puro charme.

Ela entra na sala olha para a poltrona e depois olha para o divã. Não teve dúvidas. Deita no divã como se sempre tivesse feito aquilo. Olha para o teto e vê um risco que se transforma num rasgo na parede. Uma criatura rasgada é assim que se sente. Mas ela queria mesmo era encontrar o rasgo de onde vinha tanta dor. Enquanto olhava o rasgo na parede pensou que, talvez ensimesmada signifique isso, estar em si mesma, entrar dentro de si mesma. Encontrar seus próprios rasgos. Não falou nada. Descobrira que o silêncio era bom. Não quis falar nada. Não falou nada.
(Vera Cristina Weissheimer)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Confia Nele e Ele tudo fará.

 A espera para quem é ansiosa, quase desesperada, é um tempo de grandes lições. Dias atrás, mais especificamente, no sábado a tarde em que Alemanha jogou com o Uruguai nas finais da copa do Mundo, eu abri um pacote de Erva Mate para tomar um chimarrão com o meu marido enquanto assistíamos o embate futebolísco. (Uma querisíssima amiga paulista já me alertou para não falar em "erva" para não correr o risco de, por um mal entendido, ser presa como traficante de outras ervas!)
Pois bem, o pacote de  Erva "Mate" Barão de Cotegipe foi um presente do Mauro, que passa as manhãs cuidando da mãe no Hospital onde trabalho. Ao rasgar a tampa de papelão do pacote eu encontrei  um cartão com o versículo bíblico: "Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele e Ele tudo fará. (Salmo 37.5).  
Este versículo é um grande e difícil exercício para os ansiosos. Deus tem o tempo Dele, um tempo não ditado pela pressa humana, é preciso saber que depois de fazer o que está ao nosso alcance para "fazer acontecer" é preciso deixar nas mãos Dele.

--------------
Simplesmente, não há acasos...

Eu escrevi para a Barão de Cotegipe parabenizando-os pela iniciativa de colocar versículos bíblicos nos pacotes de erva mate, e, para a minha surpresa, quem respondeu ao email foi a Rosângela, que dias depois me agraciou com um pacote contendo muitas caixinhas de chás da Barão,  cada caixinha traz um versículo bíblico. Escreveu-me ela que isso foi idéia do pai, o fundador da ervateira, falecido em março deste ano.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

nossos vôos...


"Para obter algo que você nunca teve, precisa fazer algo que nunca fez."

"A Vontade de Deus nunca irá levá-lo aonde a Graça de Deus não possa protegê-lo."

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Portas que só abrem de dentro para fora

Na Capela Keple de Oxford, na Inglaterra, está o original da pintura de Holman Hunt, intitulada "A Luz do Mundo". A pintura apresenta Cristo segurando uma lanterna e batendo numa porta fechada. Holman deixa um precioso recado nessa delicada pintura – se o trinco da porta está pelo lado de dentro, somente quem está dentro da casa tem o poder de abrir a porta deixando Cristo entrar. A Luz só poderá entrar se encontrar alguma passagem. Que grande verdade! Para que a Luz do Mundo possa habitar em mim, ela terá de primeiro encontrar a porta aberta – ainda que seja uma pequena fresta.

Há momentos em que somente nós, e unicamente nós que temos o poder de abrir a porta para a vida. A vida pulsa do lado de fora, o sol continua indo do nascente ao poente sem perder seu ritmo. A tristeza que parece ter usurpado o nosso lugar em nossa própria casa pode ter muito poder, mas não o de fazer o dia parar por nossa causa. Parem o mundo que eu quero descer! Algumas vezes eu gostaria de gritar como quem dá o sinal dentro de um ônibus. Não é possível. Este ônibus não vai parar.

Mas a boa notícia é que a tristeza não vai durar para sempre. Ela não tem esse poder. Toda tempestade um dia acaba. Então, não temos muita escolha, um dia teremos que abrir a porta deixar a Luz entrar e seguir adiante para outras paragens. Novas tristezas virão com certeza, mas também outras alegrias surgirão. No entanto sempre haverá uma Luz batendo à nossa porta insistindo em clarear nossa escuridão.
(texto de Vera Cristina Weissheimer)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Escutemos

Vamos desenhar futuros na areia
O homem e a mulher desenhando um mundo sem divisões.
Um mundo azul onde o céu não seja compartimento.
Onde o amor escape das casas e dos parques
E entre nas vassouras
Nas trouxas de roupas, nas panelas ou nas crianças.
Vamos desenhar um homem e uma mulher conversando,
Apanhando-se no olhar, além da porta.
Um homem e uma mulher alegres
Caminhando na areia aos domingos, como se houvessem nascidos juntos.
Vamos desenhar um mundo único
Onde o pequeno também seja importante.
Vamos desenhar o amor com grandes letras
E o homem e a mulher se amando.
Vamos desenhá-los como a pedra angular de um formoso edifício.
Vamos desenhar a força de um homem e uma mulher
E seu amor de leões pelos filhotes.
Vamos desenhar uma estrela de luz,
Uma estrela na fronte da mulher.
Vamos desenhar com as cores que mais queiramos,
A cor da paz, a cor do amanhã, a cor ondulante da cana de açúcar, A cor dessa casa que chamamos de minha casa.
“Vamos desenhá-los como dois furacões de mãos dadas que desenham o mundo novo”.

Gioconda Belli, poeta nicaragüense.
Deixe a alegria transformar seu dia

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Estamos sempre de passagem...


A vida é um grande momento de passagem, há o tempo de nascer e há o tempo de morrer. Assim como as estações do ano. Há a primavera com as flores e o verão com o calor, mas há também o outono quando as folhas caem e o inverno trazendo o frio.

(Vera Cristina Weissheimer)
Na mesma hora em que aglomerados de torcedores e turistas assistiam pelos telões ao jogo em que a Alemanha perdia para a Sérvia, por entre os locais turísticos de Lisboa, o editor do polêmico José Saramago anunciava a imprensa, a morte do escritor, ontem às 10h, pelo horário de Brasília.


Ao ser entrevistado, o primeiro-ministro José Sócrates afirmou que a morte representa ‘uma enorme perda para a cultura portuguesa’, mas evitou comentar o caráter controvertido do escritor: ‘Não devemos tratar esse acontecimento do ponto de vista mesquinho. Deixemos isso para outra altura’.

Em 1991, quando Saramago lançou sua obra mais polêmica, ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’, o governo considerou uma blasfema e a obra foi excluída de uma lista de romances portugueses candidatos a um prêmio literário, sob a alegação de que não representava o país.


O partido comunista português, ao qual Saramago era filiado, pediu em entrevista coletiva que o governo decrete luto pela morte do escritor que conquistou o único Nobel de Literatura pelo seu país em 1998.

Saramago se vai...

"Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem."


José Saramago

Abraço Corporativo

http://abracocorporativo.com.br/blog/

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Fazer da queda um passo de dança


Em um email, Lilian me pede por uma poesia ou um texto que pudesse distribuir no almoço que ela e Marcos ofereceriam no dia 12 de junho, por ocasião do seu casamento civil. Um casal que já há muito tempo sonha junto quer compartilhar a alegria. O amor é assim, não consegue ficar escondido ou calado. Enviei a ela algumas poesias, mas meu coração me dizia que o momento de Marcos e Lilian pedia por algo que fosse só deles. Algo escrito para eles e para o momento. E assim nasceu este texto.

Fazer da queda um passo de dança

texto de Vera Weissheimer

dedicado a Lilian e Marcos



Na vida, algumas vezes – na pior das hipóteses, na maioria das vezes –, vivemos os momentos, essas filigranas que vão se somando e dando o tom ao dia, como algo definitivo. A queda parece ser para sempre, o fracasso para toda a eternidade, a rasteira que levamos parece ter nos quebrado os joelhos e derrubado para a vida toda, o amor que acabou parece nunca mais nos deixar recuperar a alegria. Assim como as tempestades, mesmo as mais pesadas, não duram para sempre, a tristeza também não. Chegará novamente um tempo para a alegria, para o riso, para o vinho, para o abraço e para a festa. Há tempo para tudo nesta vida. Um texto muito antigo, o livro de Eclesiastes, escrito cerca de três séculos antes de Cristo, ensina que debaixo do Céu há momento para tudo, e tempo certo para cada coisa. Há o tempo de chorar, mas há o tempo de rir; há tempo de sentir dor, mas há também o tempo de rodopiar e dançar; tempo de abraçar e tempo de se afastar; há o tempo de procurar, mas também é necessário reconhecer que há o tempo de perder. Há tempo para guardar e há aquele tempo em que é preciso jogar fora o que nos entulha a vida. Há tempo de rasgar, e tempo de costurar; tempo de estar calado e tempo de falar; tempo de amar... e voltar a amar. Fernando Sabino poetiza: “De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que (a vida) estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar... Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo da dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro.”









sexta-feira, 4 de junho de 2010

Estive aqui...
a natureza se refazendo
Estive aqui...
na cidade de Amarante, em Portugal.
Estive aqui...
na Torre da Igreja do Castelo da cidade Wittenberg
Estive aqui...
em Nürenberg na Alemanha.

Solidão

(texto de Vera Weissheimer)
Ouço a solidão caminhar pela casa. Ela vai abrindo as portas de todos os cômodos. Abre-as uma a uma. Agora já a sinto perto de mim. Mas eu continuarei espantando-a de todas as formas, tomo um copo de água, depois um vinho. Luto com meus pensamentos para que não me abandonem. Estão batendo na porta. Não vou abrir, deve ser ela que anda pela casa com passos firmes e largos espalhando seu cheiro ocre por todos os cantos. A noite já se entrega à madrugada e ainda estou aqui lutando para não ser tomada pelo horror de estar só.
Quando se quer ficar sozinho, escutar uma boa música, tomar um vinho tinto fechando os olhos para reter o cheiro da pessoa amada é uma opção maravilhosa. E, pensando bem, não se está só em momentos assim. Estamos com a outra parte de nós que só conhecemos quando nos entregamos a um apaixonado flerte com o que somos de verdade.
Por outro lado, quando somos surpreendidos com alguém fechando a porta. Alguém entregando a cópia da chave do apartamento que até ali era plural e, dali por diante, será singular apenas, é dor aguda. Dá vontade de afundar a cara no travesseiro e dar o maior grito que os pulmões tiverem fôlego para dar. Merecemos gritar de vez em quando. (Mas também merecemos rir. Sempre!)
Gritar no carro, no banheiro, no travesseiro isso nos recompõe nos salva quando estamos sendo assassinados por nossas banalidades ou por nossas paixões que julgávamos ser amor. O grito exorciza os pulmões, sacode a poeira do cérebro.
Permita-se desembarcar do certo e do programado, daquilo que sempre pensou ser o certo, daquilo que sempre ouviu dizer que era o melhor. Há momentos em que desembarcar é o mais acertado.
E, quando ouvir a solidão rondando a sua vida e bater em sua porta dê um grito bem alto e a afugente. Porque solidão só é boa quando nela podemos marcar um encontro íntimo com nós mesmos.

Um ponto e vírgula

(texto de Vera Weissheimer)
Hoje tomei a decisão. A de colocar um ponto e vírgula na minha vida. É mais do que uma pausa. Sim, um ponto e vírgula porque, segundo as normas gramaticais, este sinal gráfico quer dar a entoação equivalente ao ponto final, mas não quer encerrar o período. Se eu quisesse encerrar o período me suicidaria. O que, definitivamente, não é o caso. Então, creio que colocar um ponto e vírgula possa resolver a minha atual situação. E qual é mesmo a situação em pauta? A de me separar de uma parte de mim. Separar-me dessa mulher que ficou triste demais com o passar desses anos. V
Um amigo, após um cálice de vinho, na tentativa de redimir o ponto final me disse; que só o ponto e vírgula não basta. Algumas vezes, é preciso, disse-me ele, mais do que um ponto e vírgula, o ponto final é necessário. Pediu-me, então, que não temesse o ponto final, já que ele não é tão final assim, e geralmente vem seguido de um novo parágrafo. Então, se entendi bem o meu amigo, pra que o ponto final não seja “FIM” ou o “The End” daqueles filmes americanos das sessões da tarde é preciso que eu comece a escrever um novo parágrafo. Pois bem.
O que sei é que preciso ir em busca de pedaços de mim que ficaram perdidos em algum vão dessa vida. Preciso resgatar meu riso, não que o choro não seja importante, é vital. As lágrimas nos limpam, nos lavam, nos purificam. Mas tenho chorado por demais da conta. Quero dar férias para mim mesma. Preciso encontrar algo que ficou no meio do caminho. Meu riso, minha vontade de fazer poesia, minha coragem de enfrentar os leões, que sempre são tantos. Preciso reencontrar a minha vontade de ficar viva.
Eu preciso encontrar comigo, cuidar de mim, como talvez nunca tenha feito. E foi meu amor que me ensinou a cuidar de mim, quando disse que precisava de mim.
Estou aliviando meus pesos para não afundar. Lembro-me sempre daqueles avisos que são dados nos aviões antes da decolagem, pelos comissários de bordo: “Em caso de emergência cairão máscaras de oxigênio a sua frente. Se tiver uma criança ao seu lado, coloque primeiro a máscara em você para depois colocar a máscara na criança.”
Quase nunca prestamos atenção, mas esses avisos são uma metáfora para a vida. Nós precisamos de cuidados também. Precisamos cuidar de nós mesmos como criaturas preciosas que somos e só assim conseguiremos cuidar dos outros sem que nos falte oxigênio.
Estou indo em busca de oxigênio.
E você como está?

O rasgo

(texto de Vera Weissheimer)
Glorinha chega para a sua primeira sessão de análise. O analista, uma indicação de uma amiga, abre a porta e num sorriso a convida para entrar na sala. Aquele sotaque castelhano era encantador, a cabeleira branca cuidadosamente desalinhada, sempre com aparência de desleixo, mas era puro charme.
Ela entra na sala olha para a poltrona e depois olha para o divã. Não teve dúvidas. Foi até o divã e, então, deitou-se como se sempre tivesse feito aquilo. Olha para o teto e vê um risco que se transforma num rasgo na parede. Uma criatura rasgada, é assim que se sente. Ah! Ela queria encontrar esse rasgo para poder entrar em si mesma e descobrir de onde vinha tanta dor. Enquanto olhava o rasgo na parede pensou que, talvez ensimesmada signifique isso, estar em si mesma, entrar dentro de si mesma. Não falou nada. Descobrira que o silêncio era bom. Não quis falar nada. Não falou nada.

Os casamentos

(texto de Vera Weissheimer)









A pior maneira de manter um casamento  é privando o outro de sua liberdade.
Se você amarrar dois pássaros, eles terão quatro asas, mas nunca conseguirão voar.  (Djeladin Rumi)


As chuvas de março trazem um cheiro de terra molhada, mesmo onde o asfalto já sepultou quase todos os jardins e os playgrounds têm grama artificial. O cheiro é tão convidativo que levanto da cama e no escuro da sala vejo pela janela a cidade sendo lavada. A noite é quebrada por raios vorazes. Depois, novamente, a calma da chuva como o bater calmo do coração do homem que convida você para deitar sobre seu peito para, mais uma vez, refazerem os acordos, para depois desfazê-los e quebrá-los novamente. Afinal, acordos são para isso.


Casamento é um fazer acordos e quebrar acordos firmados por dois apaixonados para depois fazer outros, mais de acordo com a nova fase do amor. O amor tem mais fases que a lua, mais tensões que as mulheres em período menstrual.


Mas a vida fica mais leve e o casamento, essa aliança que você faz com alguém, terá mais sentido se estiver verdadeiramente apaixonado por você mesmo. Isso é obvio demais? Mas também o óbvio precisa ser repetido até fazer sentido. Precisamos nos amar profundamente para amarmos outra pessoa. Do contrário, amamos mal.


Apaixonar-se pela gente é a mais difícil das tarefas. Comece por apaixonar-se pelas suas memórias mais deliciosas. Ninguém pode tirá-las de dentro de você, seus causos, suas risadas mais endiabradas, aqueles momentos em que você teve coragem de desembarcar da tristeza, tudo isso será uma excelente fonte de inspiração em momentos escuros.


Pare de acreditar que o outro será o seu remédio, a sua metade, aquela porção que vai completar o imenso buraco de sua alma. Isso é tarefa grandiosa por demais para jogar assim sem mais nem menos nas mãos de nossos amados e amadas. Seremos sempre frações, mas ainda assim, é possível ter momentos de completude sozinha numa madrugada diante da janela vendo a chuva bater contra o vidro.


Há um rio de forças e de luz que corre ai dentro de você. É preciso entrar nessas águas sem tantos medos. Então, vai encontrar ali o seu ponto de ligação com o divino, o fio invisível que conecta você aos mistérios da vida. Você continuará fração, mas a busca pela plenitude já não estará mais no outro mas em você mesmo, no encontro profundo e íntimo com as partes que ficaram perdidas em algum lugar.


O amor de duas pessoas inteiras, ainda que fracionadas, é mais saudável, haverá mais aconchego, menos exigência, mais respeito e muito mais perdão.


Para ir ao encontro dessas águas que correm em você, não há receita, nem cartilha ou métrica. Mas é preciso aceitar que a maré suba e inunda tudo, que a correnteza derrube, que o barco vire.


Permita-se ancorar em outras margens e as pedras no caminho lhe darão impulso.


Então, apaixone-se sempre de novo por você, pelos seus segredos. Afinal, precisamos de segredos e mistérios, para não sucumbir às banalidades dessa vida e às cobranças dos outros. Apaixone-se sempre por seus pontos fortes mesmo que os pontos fracos insistam em ficar em alto relevo no seu cérebro. Apaixone-se por suas idéias, mesmo que tenham dito que elas não serviam para nada. Apaixone-se pela música que você pode ser para alguém. Apaixone-se por você e será mais feliz com quem estiver ao seu lado.


Fecho a janela, me despeço da chuva e volto para a cama onde dorme meu amor coberto pela madrugada.

Dona Elisa, seus doces e histórias

(texto de Vera Weissheimer)
Sábado passado me permiti sair mais tarde da cama. Comecei abrindo as janelas da casa para abençoá-la com o cheiro de outono maduro. A janela da sala é ampla e fiquei ali me espreguiçando e deixando-me acordar pela manhã nublada, prometendo chuva.
O interfone (essas coisas da vida moderna que já não deixam mais os amigos nos surpreenderem!) me avisa que Dona Elisa quer vir ao meu apartamento.
Semanas atrás, Dona Elisa, uma simpática vizinha que sabe que sou colecionadora de pequenos e grandes causos da vida, havia dito que queria me presentear com uma dessas preciosidades. E lá estava ela, com um cesto cheio de doces, pão-de-mel, geléia de amora e a história escrita numa caligrafia trêmula de uma mão de 82 anos. Como agradecer tamanha generosidade? Quis acarinhá-la; então preparei uma mesa para o nosso café da manhã em minha cozinha e lá ficou ela sentada contando-me de tempos idos, histórias e causos que dão cheiro e gosto à vida.
Preserve suas histórias e causos, me diz sempre Dona Elisa, porque a poesia não escolhe somente os momentos belos de pôr-do-sol ou como esta manhã. A poesia está nas nossas frustrações, nas tristezas, nas perdas, para depois nos ensinar que as dificuldades surgem para nos fazer melhores e mais preparados para a vida.
Dona Elisa voltou para sua casa. E eu fiquei sorvendo essa história que ela me trouxe em meio às geléias.
Era uma vez um riacho de águas limpas e cristalinas que serpenteava montanhas lindíssimas. Em certo ponto de seu percurso, o riacho notou que à sua frente havia um pântano imundo, por onde teria que passar com as suas águas transparentes.
Olhou, então, para Deus e protestou: “Senhor, que castigo! Eu sou um riacho tão límpido, tão formoso, e você me obriga a atravessar um pântano sujo como esse? Como faço agora?”
E Deus respondeu: “Isso depende de sua maneira de encarar o pântano. Se ficar com medo, vai diminuir o ritmo de seu curso, dará voltas e, inevitavelmente, acabará misturando suas águas com as do pântano, o que o tornará igual a ele”.
Se você enfrentar o pântano com velocidade, com força, com decisão e coragem, vai atravessá-lo abrindo caminho em meio à lama. Deixará para trás parte de suas águas, mas vencerá o pântano. Mas o que é perder parte das águas para a tragédia comparado a se perder totalmente no pântano?
Assim é a vida. As pessoas engatinham nas mudanças. Quando ficam assustadas, paralisadas, pesadas, tornam-se tensas e perdem a fluidez e a força. É preciso entrar para valer nos projetos da vida.

Toda mulher precisa de um chapéu vermelho

(Vera Weissheimer)



Brechós têm cheiros de saudade, as roupas têm histórias de perdas, de ganhos, de mortes e separações. Há aqui na cidade um, que fica na Rua Lisboa, rodeado por uma jabuticabeira e um pé de Três Marias que vai se agarrando à parede de tijolo cru até chegar na janela do segundo andar.

Numa quarta-feira, ou talvez, tenha sido uma quinta feira,resolvi entrar lá. Precisava ficar só.

Entre chapéus, echarpes e veludos fiquei olhando a cidade da janela emoldurada pelas Três Marias. Olhei com olhos de um outro tempo. Quando a vida andava em outro ritmo, mais lento. Não se corria. Do canto esquerdo, ao lado da janela, vem um cheiro de cravo destilado por uma vela que queima charmosa sobre a mesinha de imbuia. Um homem de cavanhaque grisalho e olhos de mar profundo, com um cachimbo apagado no canto direito da boca, oferece-me, em silêncio, um cálice de licor de amêndoa. Depois, aponta com o braço esquerdo para um jardim interno onde há uma pequena mesa de ferro com duas cadeiras. No canto à direita de quem entra no jardim, há um frágil pé de romã carregado de frutos maduros, ao lado, uma fonte de água convidando ao silêncio.

Antes de ir até o jardim peguei um chapéu vermelho e uma echarpe lilás, fiquei sentada ali por um bom tempo. Fiquei pensando.

Pensando que o que tenho não me pertence embora faça parte de mim. Tudo o que sou, foi me emprestado, para que eu possa dividir com aqueles que entram em minha vida.

Ninguém, absolutamente ninguém, cruza nosso caminho por acaso e nós não entramos na vida de alguém sem haver alguma razão. Assim, como faço parte desse brechó, desse homem de cavanhaque com seu cachimbo apagado que me deixou ficar em meu silêncio sem querer saber o motivo de minha mudez. Assim, também, como agora, faço parte de você e você de mim. Há muito o que dar e o que receber; há muito o que aprender, com todas as nossas experiências boas, inclusive as ruins, também com aquelas que nos fazem chorar.

Se tentarmos ver as coisas negativas que acontecem conosco como algo que tem a sua razão de ser, já aprenderemos a reclamar menos. Ficar lamentando o que aconteceu só vai cobrir os olhos com vendas pesadas. Quando não conseguimos deixar para trás as mágoas, voltando sempre de novo à elas, metendo o dedo na dor, a ferida vai se tornando maior do que era no início e não vai sarar.

Nem sempre as pessoas nos ferem voluntariamente. Muitas vezes, somos nós que nos sentimos feridos, a pessoa nem mesmo percebeu que nos feriu mortalmente. Nos sentimos decepcionados porque alguém não corresponde às nossas expectativas, mas as expectativas são somente nossas. E, sabemos quais eram as expectativas do outro em questão? Nós, tanto nos decepcionamos, quanto decepcionamos a outros. É mais fácil pensar nas coisas que nos atingem. Quando alguém lhe disser que magoou sem intenção. Acredite! Vai lhe fazer bem, e assim talvez ela poderá entender quando você, sinceramente, disser “foi sem querer”.

Dê de você mesmo o quanto puder! Você sabe, que quando você se for, a única coisa que vai deixar é a lembrança do que foi aqui nessa vida? Seu cheiro será saudade, suas roupas recordarão momentos, causas, perdas e suas histórias. Portanto, seja bom, tente dar sempre os passos necessários. Nunca negue a ajuda que está ao seu alcance. Perdoe. Seja uma bênção. Deus não vem em pessoa para nos abençoar. Ele usa os que estão aqui dispostos a cumprir essa missão. Viva de maneira que, quando você se for, muito de você ainda fique naqueles que tiverem a oportunidade de conhecê-lo.

Lembro ainda hoje, a bênção que foi aquele homem naquela quarta-feira no brechó brindando o meu silêncio com aquele licor. Lembro, como se fosse agora que, depois de algum tempo, talvez tivessem se passado horas, levantei e entreguei o chapéu e a echarpe. Mas ele me disse calmamente:

-- Leve! Toda mulher precisa de um chapéu vermelho e uma echarpe lilás.

Então, fui para a vida. Certa que seria mais feliz com meu chapéu vermelho e minha echarpe lilás.

Saudades...

(texto de Vera Weissheimer)

Escrevo por ter saudades. Saudades que já não são feridas, são espaços que nada no mundo é capaz de preencher. Mesmo que algo ou alguém pudesse preencher eu não iria querer. Porque, quem deixou os espaços era especial de mais. Como disse o trapalhão Dedé, no primeiro programa após a morte de Zacarias, parceiro de trapalhadas:“Zacarias se foi e hoje, para substituí-lo chamamos “Ninguém”. Ele é insubstituível”. Quem poderia substituir quem amamos? Outras pessoas virão, mas elas ocuparão outros espaço.
Sentir saudades é ser alcançado pelo perfume de quem está longe por pouco tempo ou por uma eternidade. É ter saudades sempre no plural...

quarta-feira, 2 de junho de 2010





Frase pintada em várias paredes, muros, viadutos,portas de lojas, telefones públicos na cidade de São Paulo.


Sonho de nós dois

(Vera Cristina Weissheimer)
Uma casa de madeira, uma janela aberta para o leste. Dessas janelas grandes com floreiras e muitas flores coloridas. Sim. É a janela de nosso quarto, com cortinas num amarelo vivo com pequenos girassóis. Lá há uma cama grande com travesseiros de penas de ganso e lençóis de algodão. Cada manhã abriremos a janela e ficaremos deitados como se não tivéssemos que trabalhar. Ali juntos deixando que o sol entre no quarto para nos encher de preguiça. Iremos até o terraço e chamaremos o cachorro que sempre irá despedaçar as flores das floreiras e tu sempre irás reclamar disso e eu sempre vou rir por que nessa hora saberei que estou em casa. A sala? A sala terá dois níveis. Assim que entrar pela porta haverá um tapete de tapeçaria e dois sofás onde faremos amor um dia sim e outro também. No canto direito há uma lareira para que possamos conversar e tomar muitos vinhos. Teremos ali também nossas conversas mais sérias. Depois colocaremos mais lenha na fogueira e ficaremos ali até pegarmos no sono.
Há ao lado da lareira duas poltronas com um abajur bem no meio e ali sempre estarão dois livros, um meu e outro seu, sempre à espera para serem abertos e sentirem seus dedos passando delicadamente sobre cada linha, como se fosse braile. Mas que nada, é a fome que você traz na alma que não se contenta em somente ler com os olhos. Os dedos buscam letra por letra, parece até querer extrair vida de cada linha. E vais interromper a minha leitura para comentar um parágrafo que a encanta e farei de conta que não me incomodo de ter a minha leitura interrompida tantas vezes.
Há no canto oposto à lareira um armário de madeira maciça (acho que o herdamos de sua avó) lá escondemos nossos melhores vinhos. Também aquele que eu trouxe do Chile e que nunca tomamos. O vinho para as nossas noites em que esqueceremos de tudo. E mais uma vez nos prometemos amor eterno. Essa eternidade me assusta, pode durar pouco.
Dois degraus acima há duas mesas uma de frente para a outra. Sim. Trabalharemos juntos um de frente para o outro. Teremos também dois computadores, para não brigarmos por isso. Ah! Mas que bobagem a minha, não brigaremos. Trabalhando juntos poderei olhar teus olhos cor de mar que não sabem mentir para mim, e estão sempre emoldurados de vermelho de tanto chorar ou de tanto rir. Por debaixo das mesas deve haver espaço suficiente para que os meus pés toquem os teus para sentir que estás ali de verdade. Os únicos pezinhos que consigo achar bonitos. Nosso banheiro terá uma banheira e ao lado direito da banheira uma janela que dá para o jardim dos fundos. Tomaremos banho vendo a chuva cair sobre os girassóis que semearemos a cada estação.
A cozinha será grande com um fogão a lenha para que a comida seja sempre feita sem pressa, para que ali haja sempre água quente para um café. Haverá também uma mesa grande perto do fogão para que quando os amigos vierem sintam o calor da lenha estalando no fogão.
Em frente a casa, há um gramado bastante grande e à esquerda de quem entra (não há portão) há uma fileira de surinãs. Essas florescem só no inverno. São árvores que abrem suas copas derramando flores vermelhas estreladas. E também no inverno nosso jardim precisa ter flores. Esse é o meu sonho para nós.



Estive aqui...
Munique tem cantinhos maravilhosos.


Estive aqui...
Lisboa é uma delícia.

“Há portas de abrir e portas de fechar. Há portas de escancarar e portas de trancar. Há portas que abrem para dentro. Há portas que abrem para fora. Cuidado para não confundir umas com as outras.”
Vera Weissheimer



“A vida é generosa e, a cada sala que se vive, descobre-se tantas outras portas.
E a vida enriquece quem se arrisca a abrir novas portas.”
Içami Tiba