sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Toda mulher precisa de um chapéu vermelho e uma echarpe lilás

Brechós têm cheiros de saudade, as roupas têm histórias de perdas, de ganhos, de mortes e separações. Há aqui na cidade um, que fica na Rua Lisboa, rodeado por uma jabuticabeira e um pé de Três Marias que vai se agarrando à parede de tijolo cru até chegar na janela do segundo andar.
Numa quarta-feira, ou talvez, tenha sido uma quinta feira,resolvi entrar lá. Precisava ficar só.


Entre chapéus, echarpes e veludos fiquei olhando a cidade da janela emoldurada pelas Três Marias. Olhei com olhos de um outro tempo. Quando a vida andava em outro ritmo, mais lento. Não se corria. Do canto esquerdo, ao lado da janela, vem um cheiro de cravo destilado por uma vela que queima charmosa sobre a mesinha de imbuia. Um homem de cavanhaque grisalho e olhos de mar profundo, com um cachimbo apagado no canto direito da boca, oferece-me, em silêncio, um cálice de licor de amêndoa. Depois, aponta com o braço esquerdo para um jardim interno onde há uma pequena mesa de ferro com duas cadeiras. No canto à direita de quem entra no jardim, há um frágil pé de romã carregado de frutos maduros, ao lado, uma fonte de água convidando ao silêncio.


Antes de ir até o jardim peguei um chapéu vermelho e uma echarpe lilás, fiquei sentada ali por um bom tempo. Fiquei pensando. Pensando que o que tenho não me pertence embora faça parte de mim. Tudo o que sou, foi me emprestado, para que eu possa dividir com aqueles que entram em minha vida.


Ninguém, absolutamente ninguém, cruza nosso caminho por acaso e nós não entramos na vida de alguém sem haver alguma razão. Assim, como faço parte desse brechó, desse homem de cavanhaque com seu cachimbo apagado que me deixou ficar em meu silêncio sem querer saber o motivo de minha mudez.
Assim, também, como agora, faço parte de você e você de mim. Há muito o que dar e o que receber; há muito o que aprender, com todas as nossas experiências boas, inclusive as ruins, também com aquelas que nos fazem chorar.


Se tentarmos ver as coisas negativas que acontecem conosco como algo que tem a sua razão de ser, já aprenderemos a reclamar menos. Ficar lamentando o que aconteceu só vai cobrir os olhos com vendas pesadas. Quando não conseguimos deixar para trás as mágoas, voltando sempre de novo à elas, metendo o dedo na dor, a ferida vai se tornando maior do que era no início e não vai sarar.
Nem sempre as pessoas nos ferem voluntariamente. Muitas vezes, somos nós que nos sentimos feridos, a pessoa nem mesmo percebeu que nos feriu mortalmente. Nos sentimos decepcionados porque alguém não corresponde às nossas expectativas, mas as expectativas são somente nossas. E, sabemos quais eram as expectativas do outro em questão? Nós, tanto nos decepcionamos, quanto decepcionamos a outros. É mais fácil pensar nas coisas que nos atingem.  Quando alguém lhe disser que magoou sem intenção. Acredite! Vai lhe fazer bem, e assim talvez ela poderá entender quando você, sinceramente, disser “foi sem querer”.


Dê de você mesmo o quanto puder! Você sabe, que quando você se for, a única coisa que vai deixar é a lembrança do que foi aqui nessa vida? Seu cheiro será saudade, suas roupas recordarão momentos, causas, perdas e suas histórias. Portanto, seja bom, tente dar sempre os passos necessários. Nunca negue a ajuda que está ao seu alcance. Perdoe. Seja uma bênção. Deus não vem em pessoa para nos abençoar. Ele usa os que estão aqui dispostos a cumprir essa missão. Viva de maneira que, quando você se for, muito de você ainda fique naqueles que tiverem a oportunidade de conhecê-lo.


Lembro ainda hoje, a bênção que foi aquele homem naquela quarta-feira no brechó brindando o meu silêncio com aquele licor. Lembro, como se fosse agora que, depois de algum tempo, talvez tivessem se passado horas, levantei e entreguei o chapéu e a echarpe. Mas ele me disse calmamente: “Leve! Toda mulher precisa de um chapéu vermelho e uma echarpe lilás.”


Então, fui para a vida. Certa que seria mais feliz com meu chapéu vermelho e minha echarpe lilás.
 (Vera Cristina Weissheimer)



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