sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O rasgo




Glorinha chega para a sua primeira sessão de análise. O analista que conhecera na semana anterior, abre a porta e num sorriso a convida para entrar na sala. Aquele sotaque castelhano era encantador, a cabeleira branca sempre cuidadosamente desalinhada, sempre com aparência de desleixo, mas era puro charme.

Ela entra na sala olha para a poltrona e depois olha para o divã. Não teve dúvidas. Deita no divã como se sempre tivesse feito aquilo. Olha para o teto e vê um risco que se transforma num rasgo na parede. Uma criatura rasgada é assim que se sente. Mas ela queria mesmo era encontrar o rasgo de onde vinha tanta dor. Enquanto olhava o rasgo na parede pensou que, talvez ensimesmada signifique isso, estar em si mesma, entrar dentro de si mesma. Encontrar seus próprios rasgos. Não falou nada. Descobrira que o silêncio era bom. Não quis falar nada. Não falou nada.
(Vera Cristina Weissheimer)

Nenhum comentário: