sábado, 20 de outubro de 2012

Você acha que as pessoas se tornam melhores depois de sair da UTI?


"Eu não sou um sujeito místico, nem religioso. Mas algumas vezes, acontecem coisas que fogem do meu entendimento, não encontro explicação". É neste cenário que se desenrola a vida do médico cardiologista Elias Knobel, 61 anos, 33 deles dedicados à chefia do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein, que ajudou a fundar em 1972. Homem de fala precisa e pontual, como sua superlotada agenda requer, Knobel é catedrático no assunto. Aprendeu como ninguém a lidar com o trabalho, e não só do ponto de vista estritamente científico. Pois a UTI, como costuma dizer, é um microcosmo da aventura humana. Onde caem as máscaras.


Você acha que as pessoas se tornam melhores depois de sair da UTI?
Ah claro, sem dúvidas. Tive um paciente que era chamado de “o terror da Receita Federal”. Um cara duro, difícil de lidar. Ele tinha um coração duro como rocha antes da ameaça de doença. Depois, no pós-operatório, era outra pessoa. Ficou leve e humilde equiparando-se aos outros mortais. Nesses longos anos de atividade, acompanhando não só doentes graves, mas também seus familiares, percebo que há momentos em que todos os problemas do dia-a-dia se tornam supérfluos e são colocados em terceiro plano. Tudo se esquece: mágoas, ressentimentos, antagonismos e problemas financeiros... É quando o bem maior está em jogo: a vida. Pena que esses sentimentos sejam tênues e rapidamente se desvaneçam.

Você acredita em Deus?

Eu não sou um sujeito místico, nem religioso. Mas algumas vezes, acontecem coisas que fogem do meu entendimento, não encontro explicação.


A religião, a fé, elas ajudam na recuperação?

Confesso que já vi muita gente que por todos os indicadores e índices já estaria morta e acaba sobrevivendo. Ainda que eu tenha me tornado cético quanto a milagres, acredito na força do pensamento e na crença das pessoas – a fé move montanhas, mesmo.


Vocês encorajam a presença de religiosos?

Sempre incentivamos. Padres, pastores, rabinos, muçulmanos, já fiz sólidas amizades com gente de todos os credos. O mais interessante é que para mim todos parecem ter a mesma religião, sem divergências ou discrepâncias, pois trazem sempre a mesma mensagem de paz e harmonia. A combinação de recursos modernos com a fé do paciente e da família ajuda.

(Parte da entrevista feita pelos jornalistas Morris Kachani e Flávia Martinelli, em Outubro de 2005 e publicado no site “NoMínimo")











A fé à luz da psicanálise





A fé "uma certeza fundamental, apesar das incertezas paciais. A fé não é da ordem do que se discute -- ter o que respirar ou não, isso não se discute. creio que esse estado de fé é o efeito da adesão do coração a uma 'revelação'."

(do livro A fé à luz da Psicanálise, de Françoise Dolto e Gérard Sévérin)

O poder invisível da fé (2)

Um estudo da Santa Casa de Porto Alegre mostra que 70% dos pacientes gostariam que o médico falasse sobre religião com eles, mas apenas 15% dos médicos o fazem. Os médicos não recebem treinamento apropriado sobre como fazer a abordagem religiosa. eles não sabem trazer o assunto à tona, nem como responder a perguntas do paciente sobre religião. São poucas as faculdades de medicina que tratam do tema. A medicina é considerada uma ciência e, historicamente, há uma grande divisão entre religião e ciência. A religião é muito mais vaga e nebulosa do que a medicina e, por isso, continua não levando muito crédito. Médicos tendem a ser menos religiosos do que a população em geral, então eles não conhecem muito o potencial da religião.
(Trecho da entrevista com o psiquiatra Harold Koenig, Páginas Amarelas, Revista Veja, 10 de outubro, 2012)

O poder invisível da fé


"A religiosidade põe o paciente em outro patamar de tratamento. pacientes enfartados que seguem uma religião têm menos complicações após a cirurgia, ficam menos tempo internados..."

"Os pacientes que lidam melhor com suas doenças, perdas e incapacidades, ficam menos depressivos. os religiosos suportam melhor suas limitações porque a religião dá significado a essas circunstâncias difíceis. O sofrimento adquire um propósito. O indivíduo não sofre sem razão nem se sente sozinho."


Entrevista com Harold Koenig, nas páginas amarelas da Revista Veja, dia 10 de outubro de 2012

A caminhada espiritual de cada paciente

Alguns dirão que no final das contas cada pessoa terá que fazer seu próprio caminho. Sim. Mas, é bem melhor percorrer esse caminho tendo a companhia de alguém, mesmo que seja uma caminhada feita em silêncio, um amparado no braço do outro. Também na última caminhada é importante ter uma companhia, o portão, no entanto, terá de ser atravessado sozinho.
Na Bíblia, no livro de 2 Reis 20. 1-11, no Antigo Testamento, é contada a história do rei Ezequias que recebe o diagnóstico de sua doença da boca do profeta Isaías, porta-voz do próprio Deus: “Ponha as suas coisas em ordem porque você não vai sarar. Apronte-se para morrer.” O rei vira-se para a parede e chora e ora: “Lembra-te, Senhor, que tenho te servido com fidelidade e com o coração e sempre fiz aquilo que querias que eu fizesse.”
Perdidos num vale de sombras, desejamos ouvir portadores de boas novas como o profeta Isaías que, nem chega a atravessar o pátio da casa do rei quando recebe a segunda tarefa por parte de Deus: “Volte e diga a Ezequias, o governador do meu povo: Eu, o Senhor, Deus do seu antepassado Davi, escutei a sua oração e vi a suas lágrimas. Eu vou curá-lo, e daqui há três dias você irá ao Templo. Vou deixar que você viva mais 15 anos.” Depois do profeta transmitir as palavras de Deus ao rei, pediu que uma pasta de figos fosse preparada e colocada sobre sua úlcera, o rei ficou curado.

Desejamos com toda a força de nosso coração, que alguma boa notícia nos seja trazida, para que possamos contar ao doente, mas ela não chega. Esperamos que da boca de algum médico, ou médica, saia alguma palavra de conforto ou esperança, ela não é dita. Como é possível amparar o abatido, o abalado, o doente que recebeu os piores diagnósticos e prognósticos? Quando as próprias forças e ânimos começam a dar sinais de também nos faltar,  não nos cheguam os portadores das boas novas e a pasta de figos não é a solução, então só nos resta admitir nossa impotência diante das impossibilidades e nos deixar cair nas mãos de Deus. E essas mãos não são pequenas.

 (Vera Cristina Weissheimer)




















A solidão no Getsêmani

Alguns pacientes tentam ter uma conversa séria sobre seu estado de saúde, suas angústias existenciais, seu sofrimento, sua dor, seu medo do que há de vir e sua solidão naquela cama de hospital. Mas na maioria dos casos, as tentativas por uma conversa caem no vazio. Nem equipe médica, nem família conseguem realmente ouvi-lo. A família, apavorada, tenta esconder sua tristeza e escamotear o sofrimento dizendo: “Você vai ficar bom!” Mas o paciente sabe que, muito provavelmente, não ficará “bom”.

A pessoa doente, quando o médico não lhe conta, parece receber sinais do próprio corpo ou de algum anjo que Deus envia para lhe adiantar que é chegada a hora, como o profeta Isaías foi encarregado de avisar o rei Ezequias. E ciente de sua condição e querendo poupar a quem ama e não ser o causador de mais preocupações, pede com voz firme: “Poupe minha família, doutor, eu sei que meu estado de saúde é delicado, e que posso morrer. Não conte a eles a verdade.” Assim cada um – família e doente – se enclausura em sua solidão particular. Começa, então, um dolorido faz de conta.

O doente quer e precisa uma companhia verdadeira da mesma forma que Jesus, quando sentiu que sua morte estava próxima, não quis ficar só, pediu a seus discípulos que fossem com ele a um lugar chamado Getsêmani: “Venham comigo. Enquanto eu vou ali orar.” Levando consigo três de seus discípulos foi até o lugar onde queria silenciar e fazer a sua oração. “Aí ele começou a sentir uma grande tristeza e aflição e disse a eles: A tristeza que estou sentindo é tão grande, que é capaz de me matar. Fiquem aqui vigiando comigo. Ele foi um pouco mais adiante, ajoelhou-se, encostou o rosto no chão e orou: Meu Pai, se é possível, afaste de mim este cálice de sofrimento!”; de vinho tinto de sangue, como canta Chico Buarque em “Cálice”. Deixamos nosso doente sozinho em seu Getsêmani, porque também a nós a tristeza está matando e não conseguimos ficar vigilantes porque estamos cansados e a verdade, nesses casos, pode ser dura demais para ser suportada, crua de mais para ser digerida.

(Vera Cristina Weissheimer)

A solidão de quem está incuravelmente doente





“Um dos grandes sofrimentos dos que estão morrendo é perceber que não há ninguém que os acompanhe. Eles falam sobre a morte e os outros logo desconversam. ‘Bobagem, você logo estará bom...’ E eles então se calam, mergulham no silêncio e na solidão, para não incomodar os vivos. Só lhes resta caminhar sozinhos até o fim.”; diz Rubem Alves. Quando todos parecem faltar e o mundo parece estar reduzido ao tamanho da cama de hospital só resta pedir com as palavras do Salmo 71: “Quando me faltarem as forças, não me desampares.” As família querem poupar o doente, imaginam que não vai suportar a verdade sobre a doença. Não se dão conta que ele já sabe e está suportando sozinho.

São angústias palpáveis e agudas que também encontramos na voz da protagonista Olímpia, do livro Quero minha mãe, de Adélia Prado. Olímpia é uma mulher que sofre de um câncer que tenta puxá-la para o desconhecido, ela luta contra, naturalmente, e sustenta-se em sua fé cristã: “Olímpia, me cumprimentou a doutora ao telefone, rindo, profissional, quase não admirada. Alguém te operou antes de mim? Não devolvo o seu útero, mas nenhum vestígio de câncer encontramos. Vai ser feliz, mulher. Tal qual implorei. ...de quando abrirem minha barriga, Virgem Maria, se admirem os doutores do fenômeno: em meio às vísceras sãs, a coisa seca sobrando, seca de não se reproduzir nela vida alguma. Tal qual implorei.”

Uma mulher de uns 40 anos me procura em meu plantão: “Tenho o amor de meu marido e de minha família, mas tenho, também, essa solidão que mais parece um bicho que se instalou aqui dentro de mim, mas tão dentro de mim, que parece um berne que vai crescendo e abrindo um buraco cada vez maior, alimentando-se da minha carne cada dia mais enfraquecida e doente.” Ela sabe que é amada, mas sente-se profundamente só. Quem a ama tem receio de tocar no assunto da doença. Luta heroicamente para viver, apesar de um teimoso câncer querer se alastrar por seu corpo.
(Vera Cristina Weissheimer)