sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A morte é uma travessia? - carta a um amigo querido

um acréscimo posterior ou uma reação ao texto abaixo: um amigo querido, estando ainda tomado pelo luto por causa da morte recente da mãe, me fez alguns questionamentos em relação ao termo "travessia". Então, achei que seria interessante colocar alguns pensamentos aqui. Transcrevo parte da carta que enviei a este amigo, espero que ajude na reflexão sobre morte, ressurreição, reencarnação.

Olá, querido,
 
te entendo bem... Compartilho contigo que,  nos acompanhamentos  que fiz, eu ia sendo confrontada com uma realidade que me era desconhecida.  A morte - quase sempre - não acontece num instante. (Escrevo "quase sempre", porque não tem como saber ou entender "tudo" do "todo"). É um processo em que o corpo vai dando seus sinais, tem até a conhecida "melhora da morte", reconhecida pelas equipes de saúde; aquela melhora em que o paciente tem tempo para falar, se despedir, encaminhar... É um processo em que a pessoa vai se dando conta de sua morte, é um silenciar. É de fato um processo, um atravessar daqui para uma realidade que não conhecemos - se vamos dormir nos braços do Pai, ou vamos para um sono eterno até a ressurreição, ou ressuscitamos no ato da morte...  são sempre só conjecturas a partir da fé. Como será de fato não temos como saber, são os mistérios entre o humano e o divino, que não foram dados a conhecer. Nos resta CRER que DEUS estará conosco. Como disse-me uma paciente indo para uma cirurgia: "Vou morrer e tenho medo, mas sei que o Pai está comigo".  O que sei a partir de muitos momentos em que estive ao lado de pessoas que estavam morrendo, é que realmente é um processo como a de uma travessia. Mesmo quando a morte é rápida como em acidentes trágicos, ainda há relatos dos sobreviventes que, quem morreu ainda procurou pela mão de quem estava ao seu lado, num gesto de despedida ou de apoio. Quando a minha mãe morreu , de forma súbita, ela chamou pelo meu pai.
Comecei a ler e pesquisar mais sobre o tema na medida em que ia sendo confrontada com as mortes e os questionamentos.  Publico os textos aqui para provocar essa discussão, pois são temas controversos e, em muitos casos, ainda tabu. É melhor não falar de morte para não atraí-la, pensam alguns; não falando dela não temos que lidar com ela; ressurreição e reencarnação são assuntos de religião e religião não se discute. Tu, querido, amigo, fizeste me uma pergunta que talvez muitos gostariam de ter feito, mas as deixaram pululando como pulgas atrás de suas orelhas.
 
 O que penso sobre ressurreição tem base e raízes no Evangelho: ela nos liberta e não nos escraviza a ter que retornar inúmeras vezes. Deus nos deu este tempo -  8 dias, 8 semanas, 8 meses, 8 anos ou 80 sempre terá sido o tempo dado para viver a VIDA de forma mais preciosa possível. Nas lápides das sepulturas, temos um sinal muito simbólico (* 12.09.1889 ________ 12.09.1975+), repare que o que separa a data de nascimento da data da morte é uma traço, a nossa vida é aquele traço. E é o que temos e isso não é pouco nem desanimador, é um presente maravilhoso.
 Quando morremos e cremos na ressurreição entramos para uma realidade que nos leva a uma porta aberta. Nossa fé cristã nos oferece a liberdade do Evangelho, da porta de se abre para a Eternidade. Jesus diz: "Eu sou a porta...". Como isso será? Amigo! Isso pertence a Deus e é bom deixar Deus ser Deus. Escreves que tua mãe "dedicou a vida toda à palavra da Salvação e Ressurreição em Cristo".  Todas as pessoas que acompanhei e que morreram crendo na Ressurreição, e na Salvação que emana da Graça das Mãos Divinas e que não é mérito nosso, morreram com uma esperança quase que inexplicável. A fé definitivamente não é uma ciência exata.
 
Querido amigo, obrigada por provocar essa minha reflexão.
Um grande abraço, onde possas caber inteiro com tua dor e tua saudade.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A espiritualidade no Cuidado Paliativo


(texto de Vera Cristina Weissheimer)
Nossa cultura latino-americana é carregada de significantes religiosos que são trazidos para dentro do ambiente hospitalar e não só pelos pacientes, também pelas equipes de saúde. Quando, para o paciente parece surgir uma caminho sem volta e para a família a cura parece ser “sonhar um sonho impossível, como poetiza Chico Buarque, surge aquela situação em que costuma aparecer a frase: “Não há mais o que fazer”. Foi o marido de uma paciente que melhor definiu a importância da espiritualidade. Ele me procurou e disse: “Me disseram que não há mais o que fazer, mas eu sei que há. Você me ajuda a ajudar a minha esposa?"
Perguntei a outra paciente: "O que posso fazer por você?"; e ela abriu  com vagar os olhos  cansados e disse: "Me deixe quieta... preciso do silêncio, só isso." Havia, no entanto, naquele quarto, quem quisesse fazer orações intermináveis, havia quem quisesse ver a novela da tarde, havia quem no intuito de ser companhia para a paciente, estava jogando dominó numa pequena mesa ao lado de uma imagem de Nossa Senhora. Mas ninguém lembrou de tentar saber o que a paciente queria. Ela que está em passos vagarosos, e está ciente disso, fazendo a sua travessia, pediu por silêncio. A leucemia tomou conta de cada célula. 
Ao ouvir o pedido da paciente, fui tomada  por um constrangimento doído. Somos  egoístas. Não admitimos que a morte faça parte de nossa vida, e não admitimos que nossos mais queridos tenham que morrer. "Afinal, de alguma coisa temos que morrer", disse me outra paciente.
Ela pedia por silêncio. Ora, o silêncio tem sons de poesia, tons de reverência diante do Divino. O silêncio ajuda no-encontro-conosco-mesmos, "pode ajudar-nos a ganhar distância em relação às nossas raivas e rancores", escreve Anselm Grün. O silêncio verdadeiro e meditativo nos põe em contato com nossos desencontros, e desenganos e por isso é curativo. Porque  nos unge com a graça da re-conciliação com nossa alma - aquela parte em nós, onde cada um é como é, sem máscaras e meias verdades.  Esse encontro mais profundo é importante, é preciso paz para essa caminhada.
Silêncio também queria o paciente que deixou numa carta as instruções para seus penúltimos momentos -- sim, penúltimos, porque últimos, não sabemos quais, quando ou como serão. Queria todo mundo ao seu redor e a música que deveria tocar no quarto até ele parar de respirar deveria ser  "O Silêncio", de Beethoven. E assim foi feito. 

Escrevo isso para homenagear todos aqueles e aquelas que estão fazendo sua caminhada e nem sempre tem seu desejo de silêncio e quietude respeitadas.


(Dica de leitura: "As exigências do silêncio" de Anselm Grün)
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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ontem Jesus desceu a Terra

(texto de Vera Weissheimer)



Ontem Jesus desceu a Terra. Como? Bem, Ele é Jesus, tem lá seus jeitos. Pensou que o melhor lugar para se inteirar das coisas por aqui era visitar uma universidade. Mas lá não foi aceito, não tinha qualificação. Foi até um mosteiro, mas não escutaram as suas batidas no imenso portão de madeira. Entrou em igrejas de todos os tipos e jeitos, mas não foi notado.  Estavam ocupados demais em teologias ou disputas de poder. Em um hospital chegou a ser admitido como ajudante de serviços gerais, mas como conversava com os pacientes, lhes falava de amor e de coisas belas.  Foi demitido, lhe disseram que não sabia reconhecer o seu lugar.
Com sede e fome foi caminhando por uma grande e movimentada avenida. Viu um mercado com uma grande fachada: “Supermercado Ágape". Com esse nome, com certeza, seria acolhido. Também de lá foi escorraçado, não tinha dinheiro para pagar.  Ele ainda argumentou: “na refeição ágape todos são convidados e todos se fartam”. Saiu de lá entristecido sem entender o que estava acontecendo. Seus pés doíam, estava descalço. Seu joelho estava machucado, havia tropeçado num buraco da calçada. Para desviar da chuva fina procurou abrigo embaixo de um viaduto. Estava exausto. Depois de algum tempo percebeu que a caixa de papelão ao seu lado se mexia. Debaixo dela saiu um homem que logo foi pegando intimidade: “Homem do céu! O dia tá feio!”
Jesus sorriu em seu coração, achando graça da expressão: “Homem do céu!”. Perguntou ao mais novo amigo, onde era possível beber água. “Tenho sede”, disse Jesus com a língua já colando no céu da boca. Logo foi apresentado a um cano de PVC que improvisava uma bica d’água num muro. Ali, Jesus molhou se todo, tamanha a vontade com que bebeu da água. Viu que outras pessoas vinham para banhar-se e lavar as suas roupas. Quando voltou para perto do homem das caixas percebeu, que de um buraco acima dele, de dentro do viaduto, saia uma criança carregando um bichinho de pelúcia tão sujo quanto as paredes cheias de fuligem. Em seguida, vinha uma mulher, esgueirando-se pelo buraco. Ela foi ajeitando as pedras em círculo e fez um fogo. Numa velha e torta panela logo começaram a borbulhar um pouco de arroz e algumas salsichas. Era o que haviam conseguido comprar vendendo latinhas. O homem abriu uma garrafinha que chamou de barrigudinha*,  ofereceu a Jesus um brinde e o convidou para o almoço. Ele, vendo que havia pouca comida, disse que era melhor deixar para as crianças. A mulher foi logo se fazendo de ofendida: “Aqui ninguém faz cerimônia, onde comem quatro, comem cinco... E o senhor não vai me fazer essa desfeita". Jesus aceitou o convite e o brinde. Ao beber da barrigudinha achou que era meio forte aquela bebida. Fechou os olhos e engoliu, aquilo foi descendo e abrindo o peito. Quando o arroz estava pronto, um gostoso cheiro de gente reunida foi se espalhando pelo viaduto. Foram se aproximando homens,  mulheres, crianças e cachorros. E todos puderam comer do arroz com salsicha e ainda sobrou para os dias seguintes.

*Barrigudinha é como a população em situação de rua, na cidade de São Paulo, chama uma pequena garrafinha de cachaça.
 
 



segunda-feira, 26 de agosto de 2013


 

Um momento para meditar...

 Escolha um tempo para você. Escolha também um lugar onde possa fazer uma caminhada. Se não há o costume de fazer caminhadas, faça uma experiência: andar e prestar atenção na caminhada é um jeito de meditar. Meditar com o corpo. Há alguns métodos que podem ser seguidos para começar seu caminhar meditativo. Experimente o efeito de cura espiritual que vem de uma boa caminhada.

 * Caminhe de forma consciente, preste atenção ao que está ao seu redor, caminhe inteiramente consciente, sentindo o que está fazendo. Cada vez que um pensamento lhe vier trazendo todas as tarefas acumuladas e que estão esperando por você, afaste-os e tente voltar sua atenção novamente ao que está vendo na caminhada. Preste atenção em sua respiração, inspire profundamente e expire soltando todo o ar. Pode fazer isso na cadência de dois ou três passos.

 * Ou caminhe prestando atenção em sua respiração (como acima) e vá recitando mentalmente uma palavra ou um versículo bíblico, por exemplo: a cada dois ou três passos, inspire e diga silenciosamente para seu coração: “O Senhor é meu pastor”. Na cadência de outros dois ou três passos, solte o ar e diga: “Nada me faltará”.

* Caminhe e preste atenção nas belezas da criação que o rodeia e sinta gratidão no fundo do seu coração.

 
"Você está morto no dia que disser: isso basta! Por isso se esforce sempre mais, siga sempre adiante, esteja sempre a caminho; jamais ande para trás, jamais se desvie do caminho." (Agostinho)

(Do livro: "Quando a Vida Dói...")

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Chega o livro "Quando a Vida dói - confiança nos momentos de angústia"

QUANDO A VIDA DÓI: confiança nos momentos de angústia
Momentos de dor e sofrimento em situações de doença e em face à morte causam desorientação e angústia, às vezes desespero. Onde buscar consolo? De onde tirar forças para enfrentar nossos medos? Onde encontrar respostas para tantas perguntas? Qual é o sentido da vida e da morte? É possível ter fé quando somos invadidos pelo sentimento de abandono?
Vera Cristina Weissheimer reflete sobre essas e outras questões a partir de várias perspectivas e nos conforta com sua confiança, dizendo: “Quando a alma se quebra no chão, quando a vida dói e a gente vai se apequenando num mundo que se agiganta sem nos dar muita chance de defesa, mesmo quando tudo parece ruir, ainda é possível crer”.
Para lidar com nossos medos diante dos mistérios da vida e da morte, precisamos ter a coragem e a humildade de nos lançar nos braços do divino Mistério – que é a fonte da fé, da confiança e da esperança. 
Ter fé é um jeito de interpretar a vida e o mundo e nos conduz a uma nova compreensão do que está acontecendo ao nosso redor e a uma nova conduta. Muitas vezes não podemos mudar os fatos, mas podemos, sim, mudar nossa atitude diante deles. E a autora nos assegura que “nunca é tarde para crer”.
 
 
Editora Sinodal
144 páginas
16 x 23 cm

terça-feira, 13 de agosto de 2013

o cuidado conosco mesmo, enquanto cuidamos do outro


"Alguém me tocou. Porque eu senti que de mim saiu poder." Lucas ( 8, 46)

Quando lidamos com o cuidado do outro (na pastoral, na terapia, no quarto de hospital, em casa...), corremos o risco de nos perdermos do que somos. Lembram da mulher que tocou Jesus? Ela encheu-se de coragem e o tocou, nem queria que ele percebesse. Mas percebeu. Jesus diz aos seus discípulos: "Alguém me tocou!".  Ele sentiu que havia lhe "saído poder". Quando entramos em contato com a dor de uma outra pessoa, podemos ser "roubados" em nossas energias vitais. E não é por maldade que isso acontece, é por fome, fome de vida, de atenção, de carinho. Nos tocam, nos olham, falam conosco e estão em busca de forças para continuar -- nessa dinâmica, se não tivermos cuidado, nossa identidade se funde com o outro, com sua dor, sua história. É preciso saber que a dor do outro não é a nossa.  É como experimentar um sapato para ver onde aperta e depois devolve-lo. Já temos nossos próprios sapatos, nossos calos e nossas dores pessoais para dar conta. O teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, enquanto estava preso durante a segunda guerra, escreveu um poema belíssimo em que termina poetizando "Quem sou eu? As perguntas solitárias se riem de mim. Seja quem for, Tu me conheces, sou teu oh Deus!"
 
Quem sou eu?
Quem sou eu? Dizem-me muitas vezes
Que saio da minha cela, sereno, risonho e seguro,
Como um nobre no seu palácio.

Quem sou eu? Dizem-me muitas vezes
Quando falo com os meus carcereiros livre,

amistosa e francamente,
Como se mandasse eu.

Quem sou eu? Dizem-me também
Que suporto os dias de infortúnio
Com impassibilidade, sorriso e orgulho,
Como alguém acostumado a vencer.

Sou realmente o que os outros dizem de mim?
Ou só sou o que eu mesmo sei de mim?
Intranquilo, ansioso e doente,
Como um pássaro enjaulado respirando com dificuldade a vida,
Como se me oprimissem a garganta,
Faminto de cores, de flores, de cantos de aves,
Sedento de boas palavras e de proximidade humana,
Tremendo de cólera diante da arbitrariedade,
Agitado pela espera de grandes coisas,
Impotente e temeroso pelos amigos na infinita distancia,
Cansado e vazio para orar, pensar e criar,
Esgotado e disposto a despedir-me de tudo?

Quem sou eu? Este ou aquele? Serei hoje este, amanhã outro?
Serei os dois de cada vez? Diante dos homens um hipócrita
E diante de mim mesmo um desprezível e queixoso débil?
Ou talvez o que ainda resta de mim se assemelha
A um exército derrotado que se retira em desordem
Sem a vitória que considerava segura?
Quem sou eu? As perguntas solitárias se riem de mim.
Seja quem for, Tu me conheces, sou teu oh Deus!
(Dietrich Bonhoeffer)

 

 

 

 

 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O sentimento de abandono



 Desde o meu nascimento, fui entregue aos teus cuidados; desde que nasci, tu tens sido o meu Deus.
Salmo 22.10

 
Por que Deus me abandona justo quando preciso tanto? Perguntamo-nos e perguntam-nos os outros. E a resposta não vem.
Um personagem quase sempre lembrado quando se fala em sofrimento e paciência é Jó. Mas ele também se rebela e reclama: “Não posso ficar calado. Estou aflito, tenho de falar, preciso me queixar, pois o meu coração está cheio de amargura. Eu prefiro ser estrangulado; é melhor morrer do que viver neste meu corpo. Detesto a vida; não quero mais viver. Deixa-me em paz, pois a minha vida não vale nada” (Jó 7.11,15-16). É o lamento de alguém machucado, de alma esfacelada, derrubado pela vida. Poderia ser eu ou você.
Jó viu seus filhos morrerem, perdeu suas propriedades e sua saúde foi deteriorando. Além de todas as dores e perdas, pesa sobre ele a suspeita dos amigos e da esposa de ter culpa pelo que está acontecendo. Esse Jó desolado clama: “Estou cansado de viver. Vou me desabafar e falar da amargura que tenho no coração. Ó Deus, não me condenes!” (Jó 10.1-2). “Por que os infelizes continuam vendo a luz?”, queixa-se Jó (3.20). A desgraça é tanta, que ele amaldiçoa o dia em que veio ao mundo. Um homem arruinado, que confessa sua fé, revolta-se, chora sua dor e briga com Deus. Sim! Jó chama Deus para uma conversa e questiona-o sobre seu triste destino.
O drama de Jó tem início numa disputa entre Deus e o diabo. Este aparece numa reunião de anjos na qual Deus chama a atenção para seu devoto servo Jó. O diabo, no entanto, não se entusiasma e retruca: “É a troco de nada que Jó teme a Deus? Mas se tirares tudo o que é dele, verás que ele te amaldiçoará sem nenhum respeito” (Jó 1.11).
E para o estranhamento de quem lê, Deus permite que o diabo tire tudo de Jó. Por mais terríveis que sejam os acontecimentos, Jó ainda reage com certa serenidade dizendo a tradicional expressão do luto judaico: “O Senhor deu, o Senhor tirou; louvado seja o seu nome!” (Jó 1.21). Deus permite, então, que o diabo intervenha mais uma vez, agora afligindo Jó em seu próprio corpo. Nesse momento, a esposa aconselha-o que talvez fosse melhor amaldiçoar esse Deus que o deixa estar nessa penúria. Ele não chega a amaldiçoar, mas entra em um difícil tête-à-tête com Deus, que lhe fala do meio de uma tempestade. Sim, em meio às tempestades Deus fala.
Deus manda que Jó escute o que está falando. Escutar-se nas orações, isso é terapêutico, é necessário. É um exercício para nós nos ouvirmos a nós mesmos e conseguir, assim, tomar distância do carrossel de sofrimentos e auto piedade.
Jó confessa: “Antes eu te conhecia só por ouvir falar, mas agora eu te vejo com meus próprios olhos” (Jó 42.5).
 Quando passamos por sofrimentos difíceis e, depois de tudo, ainda conseguimos ficar de pé, abre-se uma inacreditável janela para a vida.
(Texto do meu livro "Quando a vida dói" -  livro que será lançado nas próximas semanas pela Editora Sinodal.)

 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A fé não pode ser cega, nem faca amolada


(Do livro: "Quando a vida dói - livro que será lançado nas próximas semanas pela Editora Sinodal)
 
Milton Nascimento canta: “Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada. Agora não espero mais aquela madrugada. Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada. O brilho cego de paixão é fé, faca amolada”. A fé cega é faca amolada. Sendo cega, a fé torna-se fundamentalista e absurda. Sendo cega, torna-se faca amolada que corta, fere, maltrata e afasta.
Fé é essencialmente confiança e entrega. “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito!” (Lucas 23.46) – uma das palavras ditas por Jesus na cruz nos convoca para a importância da descoberta pessoal de que somente uma entrega total nas mãos do Pai pode salvar verdadeiramente de uma vida sem sentido. Mas em questões de fé, seremos sempre aprendizes: “Mal tenho começado a crer. Em coisas de fé, vou ter que ser aprendiz até morrer”, confessa Martim Lutero. Ou como escreve Viktor E. Frankl, referindo-se aos acasos da vida: “Sou burro demais para explicá-los, mas inteligente demais para negá-los”.
Vivemos numa sociedade onde milagres são oferecidos em uma espécie de promoção, e a prosperidade é assegurada como sinal de bênção divina. E, assim, vamos afastando-nos dos sinais verdadeiros que se mostram de forma pequena e simples. Como diz o teólogo luterano Lothar C. Hoch: “O cristão protestante precisa estar aberto para o mistério do silêncio de Deus diante da dor e do sofrimento mais cruéis. Essa foi a experiência de Jesus”. Não é o fato de sermos bons que garante a intervenção de Deus, e não podemos fazer de Deus um “quebra-galho”, como alerta Dietrich Bonhoeffer.
Solange repetia incansavelmente o versículo: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!”. Mesmo quando já estava encolhida – como um passarinho machucado com a queda – em sua cama, ela sussurrava: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!”. Algumas vezes, pedia que eu lesse a passagem do Evangelho de Lucas onde Jesus, em agonia, se entrega nas mãos do Pai. Depois que eu lia, ela me olhava e dizia: “Até com Ele, né? A vida não foi fácil nem para o Filho de Deus, imagina, então, para mim, que sou uma pobre mortal. Dureza esta vida! Mas não há de ser nada. Bola pra frente!”. Quando ainda estava com forças para entrar em entreveros com Deus, disse: “Quando eu morrer (sei que vou morrer) e chegar lá, e se esse “lá” não for o céu, eu juro que volto e coloco Deus no Procon!”.
Solange foi uma mulher maravilhosa, incrivelmente ativa, mas em seus últimos dias preferiu a escuridão das cortinas fechadas. Silêncio no quarto era seu maior desejo. Queria gente de poucas palavras lhe fazendo companhia. Costumava dizer a quem se punha a tagarelar, recitando textos sagrados para animá-la ou contar sobre a vida do lado de fora do quarto: “Todas as palavras já foram ditas, não há mais o que dizer. Vocês falam tanto, que não consigo ouvir Deus. Quando todos param de me trazer receitas prontas de vida ou de salvação, então, quando tudo se cala, eu consigo ouvi-lo. É entre eu e Ele”.
Talvez Solange tenha entrado em contato com uma realidade que só os místicos compreendem. O frade dominicano Eckhart de Hochheim (1260-1328), mais conhecido como Mestre Eckhart, um místico, propõe que o silêncio é a coisa mais semelhante a Deus. Ora! Quem já fechou os olhos diante do silêncio da natureza e ali se sentiu fazendo parte de uma dimensão muito maior, quem sabe, sentindo-se integrado à transcendência, sabe do que Eckhart está falando.
Quanto à Solange, ela já se foi, não tive notícias dela ter passado pelo Procon, acredito que ela tenha chegado lá.
Há momentos em que somente nos cabe dobrar os joelhos e dizer: “Ó Senhor, cura-me, e ficarei curado; salva-me, e serei salvo, pois eu canto louvores a ti” (Jeremias 17.14). Quando pronuncio a palavra Deus, não pronuncio palavra que diz coisas óbvias e controláveis do dia a dia. Não. Não é palavra ao lado de outras palavras. É uma palavra que carrega o inefável, o indizível, o indefinível. Por isso é Deus.
 
 


  





[1] PARKES, Colin Murray. Luto – estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus, 1998. p. 30.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Fé é a força inversa ao medo


 
 

Nada a temer. Senão o correr da luta.

Nada a fazer senão esquecer o medo.

Abrir o peito à força. Numa procura.

Milton Nascimento

 

Fé é a força inversa ao medo, é a frase pintada em uma pequena tabuleta que de cima de minha mesa rouba o olhar de quem busca refúgio para suas dores em minha sala. Ter fé é não ter medo de confiar a luta a Deus. Para o pai que chora a morte da filha Jesus recomenda: “Não tenha medo; tenha fé!” (Marcos 5.36). Confiando, Davi enfrentou Golias. Confiando, Maria disse “sim” ao anjo Gabriel quando ele lhe anunciou a gravidez (Lucas 1.26-38). Maria teve medo, sabia que era impossível, afinal não havia tido relações com homem nenhum. Mas, acima de tudo, confiou: “Não tenha medo, Maria! Deus está contente com você” (v. 30). Maria responde confiante: “Eu sou uma serva de Deus; que aconteça comigo o que o Senhor acabou de me dizer!” (v. 38).
Diferente foi quando o mesmo anjo Gabriel apareceu para Zacarias, também anunciando o nascimento de uma criança. Zacarias viu o anjo e ficou com medo (Lucas 1.5-25). Diz o texto que ele não sabia nem o que dizer diante da aparição do anjo. Contra o anúncio do anjo, Zacarias tinha a sua idade avançada. Sua esposa também já era idosa. O anjo pediu que não tivesse medo: “Não tenha medo, Zacarias, pois Deus ouviu sua oração!” (v. 13).
Maria confiou mais no anjo do que na impossibilidade. Zacarias confiou na impossibilidade. Não havia palavra que descrevesse seu espanto diante daquela notícia. Não tinha palavras. Ficou mudo. Quando nasceu seu filho João – que mais tarde se tornaria João Batista –, as palavras voltaram a borbulhar da boca de Zacarias. E quem disse que também não temos nossos momentos “ver para crer”? Algumas vezes, somos assim meio Zacarias, meio Tomé.
E José, o noivo de Maria? Esse, então, teve que ter confiança em Deus e uma profunda confiança em seu amor por Maria, para que não fizesse uma loucura. Ele confiou e aceitou Maria, apesar de tudo. Que ventos benfazejos não sopraram naquela manhã em que José acordou de seu sonho e disse a Maria que casaria com ela. Ora, estava grávida e não era dele o filho, era uma situação constrangedora para o pobre homem. José saltou no desconhecido, foi uma escolha feita por amor. Amor é também um ato de fé no outro. Fé é isto: uma prova de que existem coisas que não podemos ver (Hebreus 11.1-2).O indiano Rabindranath Tagore poetiza: “Fé é pássaro que canta quando a noite ainda está escura”. Nas palavras da médica e psicanalista francesa Françoise Dolto, fé “é viver cada dia, cada provação, cada alegria e toda a minha vida. É também aceitar a realidade que a anima, ainda que eu não a conheça e não possa saber o que ela me trará. É, portanto, viver na realidade e agir”. Martim Lutero acredita que fé seja, sobretudo, confiança na bondade e misericórdia de Deus – a confiança que podemos depositar no Criador.
Fé é confiança na possibilidade do impossível. É confiança no Absolutamente Outro. Fé é sentir-se dependente, desde as entranhas, unicamente de Deus.
Ao dizer “tua fé te salvou”, Jesus parece estar convocando para uma confiança sem reservas. Em algumas das curas, como a da filha de Jairo, ele convida para estar com ele somente aquelas pessoas que desejavam o impossível – a cura diante da morte (Marcos 5.21-42) e os discípulos mais chegados.
(texto de Vera Cristina Weissheimer)

sábado, 29 de junho de 2013

O sofrimento desorganiza


(texto de Vera Cristina Weissheimer)
Sofrimento é o que nos desorganiza, tira o chão – é tempestade que arrasa. E depois de tudo, só resta juntar tijolo por tijolo, caco por caco e reconstruir, como fizeram as mulheres que ficaram conhecidas como “as mulheres dos escombros” (Trümmerfrauen) na Alemanha. Depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria das cidades estava destruída, e as mulheres começaram a separar tijolos dos escombros para reconstruir suas vidas, casas e cidades. Era comum encontrar, nesses grupos, até mesmo mulheres de 80 anos.
Reconstruir é sempre possível, não sobre os escombros, negando-os como se não existissem, varrendo a dor e o sofrimento para debaixo de algum tapete. Ao contrário, é preciso aceitar a destruição para poder, a partir dela, encontrar matéria-prima para uma reconstrução. Chega o momento em que é preciso olhar o que restou e ali vislumbrar a vida possível. É preciso uma reconciliação com o passado, com nossos sonhos, pesadelos e amores desfeitos, afirma o psicanalista Abrão Slavutzky, pois só assim é possível abrir-se para o amanhã. Fazer as pazes com o passado para podemos seguir em frente.
Não só com alegrias, altos, ganhos e sucessos que vamos escrevendo e reescrevendo;  construindo e reconstruindo nossa vida; as tristezas, os baixos, as perdas, os fracassos são importante matéria-prima. Reconciliar-se com a parte dura, doída de nossa história é indispensável para se conseguir ir adiante e não ficar empacado diante de uma árvore quando a floresta toda está ali ao nosso redor.
Sim, as noites estão prenhes de boas novas. Essas ficam visíveis ao amanhecer. Mas ninguém sabe o dia que nascerá enquanto ainda está na noite. Em nossos tempos de escuridão há um germe do qual poderá nascer um novo sentido, um novo dia e outros significados para a vida. Mas o germe poderá também ficar para sempre na possibilidade do que poderia ter sido. Quem passa pelo sofrimento sem encontrar esse germe fica para sempre na madrugada, só na perspectiva, sem conseguir sair da escuridão, sem nunca chegar ao amanhecer. Quem, no entanto, viver esse encontro sairá de sua noite tendo encontrado o seu amanhecer.
Nenhum sofrimento vai durar para sempre. Eu sei! A alegria também não. Para o poeta e compositor Vinícius de Moraes, o “sofrimento é o intervalo entre duas alegrias”. Assim é a vida. A felicidade, a alegria, a esperança não são um fim em si, são caminhos, são exercícios, e é preciso caminhar sempre. A alegria contagia, mas a tristeza e o sofrimento também. Sofrimento também pode ser vício – quando alguém se ocupa com sua dor como se fosse o único a padecer. Não consegue se liberar para a vida, porque o sofrimento passou a ser o significado da própria vida – constrói um cemitério particular, ali vai enterrando os dias, os sonhos, os planos não realizados, e vai se enterrando junto um pouco mais a cada dia.
Encarar o sofrimento é deixar-se questionar por ele: Por que estou sofrendo? O que está doendo? O que impede que eu pare de sofrer? Para que estou sofrendo o que sofro? O que esta dor pode me ensinar? Estou disposta a aprender a lição? Responder a essas perguntas é um bom começo na busca pela matéria-prima para uma reconstrução

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Oração é conexão
(Vera Cristina Weissheimer)





Oração é uma conexão, um fio condutor com um Poder que é Superior, uma força que perpassa a história humana e os seus destinos. A oração autêntica transforma a realidade, um encontro do qual não saímos como chegamos. Para os dias cheios em que nos convencemos não ter tempo para uma prece, Martim Lutero aconselha orar por mais tempo. Sobre isso escreveu: “Atualmente estou tão ocupado que não posso passar menos de quatro horas por dia na presença de Deus”. Há dias em que precisamos pedir como profeta Isaías: “Fortalecei as mãos frouxas, e firmai os joelhos vacilantes” (Isaías 35.3).
Rubem Alves chega a dizer que as pessoas estão procurando tanto por terapia por que desaprenderam a fazer suas orações. “Falam sobre outras coisas, 10 mil coisas. Não sabem que a alma deseja uma só coisa, cujo nome esquecemos, por traz de nossa tagarelice está escondido o desejo de orar. Muitas palavras são ditas porque ainda não encontramos a única palavra que importa”, escreve ele. Viktor Frankl já escreveu sobre isso afirmando que a terapia e a fé caminham de forma parceira, uma pretende curar a alma e a outra salvá-la. Citando o poeta T.S.Elliot, Rubem Alves dá nome ao que, segundo ele, esquecemos: “temos conhecimento do movimento, mas não da tranquilidade; conhecimento das palavras e ignorância da Palavra”. As pessoas desaprenderam a se ouvir e a ouvir o que o silêncio é capaz de trazer. Jesus, por exemplo, retirava-se para lugares solitários, para ali buscar o encontro com o Pai em oração (Lucas 5.16). Em geral, as pessoas andam desaprendendo a ir ao encontro de si mesmas e de Deus.
Há um texto no livro de Gênesis em que Deus diz a Abraão: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa do seu pai e vá para uma terra que eu lhe mostrarei” (Gênesis 12.1). Quando olhamos essa passagem dos textos sagrados no original hebraico, encontramos a frase: Lech (vai) Lechá (a ti mesmo). O rabino Nilton Bonder escreve de forma primorosa sobre esse texto em seu livro Tirando os sapatos – uma espécie de diário de viagem pelos caminhos de Abraão. Para o rabino, a tradução mais verdadeira desse texto seria: Vai até ti mesmo. Ir até nós mesmos é uma tarefa que nos leva até desertos e infernos pessoais difíceis de encarar, mas ignorá-los causa mais dor do que colocar-se a caminho para atravessá-los.
Conta-se que um obstinado observador perguntou para um fundidor de ouro e prata como ele sabia que tanto o ouro e a prata estavam prontos, separados das sujeiras que traziam consigo. O fundidor, então, respondeu ao curioso: “Quando eu me debruço sobre o ouro ou a prata e consigo reconhecer ali o meu próprio rosto, então eles estão separados das impurezas”.
Para que esse processo tenha êxito é preciso que o ouro e a prata passem por um fogo em alto grau. Para nos desintoxicarmos das sujeiras que acumulamos é preciso, muitas vezes, também passar pelo fogo. A obra de Deus também se manifesta na dor. Não é necessário que seja assim, mas na maioria das vezes somente nos tornamos capazes de ouvir nossa voz interior quando passamos pelo fogo. Aqui vale o ditado popular: “o que não aprendemos pelo amor, acabamos aprendemos pela dor”.
A mais comovente confissão de fé que já ouvi foi dita por um dos 33 mineiros ao sair da mina onde ficou soterrado por 70 dias, no deserto do Atacama, no Chile, em 2010. Ele esteve no inferno, ao respirar novamente a luz foi capaz de dizer: “Estive com Deus e o diabo, mas Deus ganhou!”.
Quando nos conectamos com Deus somos empoderados de forças que não são nossas, e que não se acabam com a facilidade com que nosso entusiasmo ou nosso otimismo se esvanece. Como escreve o pesquisador Donald Spoto, citando o filósofo William James, “já foram aventadas muitas razões para que não rezemos, e muitas outras para defender a necessidade da oração. Mas, em todo esse debate, muito pouco se diz sobre o motivo pelo qual rezamos. Rezamos simplesmente porque não podemos deixar de fazê-lo”.
A busca por um relacionamento íntimo com Deus é também expressa na poesia do filósofo Martin Buber: “Se crer em Deus significa poder falar dele na terceira pessoa, então, não creio em Deus. Se acreditar nele significa poder falar com ele, então eu creio em Deus”.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Fé e saúde
(Vera Cristina Weissheimer)
Se a sua fé estiver pequena, minguando com tantas provações, diga como o pai que leva seu filho doente a Jesus: “Eu tenho fé! Ajude-me a ter mais fé ainda!” (Marcos 9.24).

Para a maioria das pessoas a fé torna-se uma grande aliada e força extra que as mantém lutando. Uma pesquisa realizada em 2007 pelo Datafolha mostrou que apenas 1% da população brasileira não acredita na existência de Deus, e 7,3% disseram que não tem religião, mas acreditam em Deus. Da mesma forma, outros estudos demonstram que a valorização das crenças dos pacientes é de grande ajuda no tratamento e na aceitação do tratamento por parte dos doentes. A medicina desenvolveu métodos para o estudo e a compreensão dos sintomas e males do corpo – do latim: corpus, parte essencial –; há igualmente a necessidade de conhecer e dar atenção a uma parte igualmente essencial o espírito – do latim: spiritus, que significa literalmente respiração, sopro. Se o pai da psicanálise, Sigmund Freud, chegou a considerar a religião como um remédio ilusório contra o desamparo, hoje sabemos dos efeitos benéficos não só da fé pessoal mas da fé dos familiares e amigos sobre da gente. Os mais céticos ainda gostam de repetir a famosa frase de Karl Marx: “A religião é o ópio do povo”; mas esquecem se eles de ler o texto por inteiro. O texto inicia dizendo: “A religião é o suspiro de uma alma angustiada, o coração de um mundo sem coração...” As angústias precisam ter o seu lugar.

            Numa pesquisa americana divulgada pela Revista Época, 1 de novembro de 1999, um hospital americano concluiu que as orações ajudam na recuperação dos enfermos. O Hospital Saint Luke, de Kansas City, convocou grupos evangélicos para rezar por alguns de seus pacientes. Cerca de 990 pessoas internadas na unidade cardiológica participaram da experiência. O grupo brindado pelas preces teve 10% menos complicações em relação aos demais pacientes. O médico William Harris admite que a sondagem é limitada, porque não é possível computar, por exemplo a prece de amigos e parentes. A fé e a vivência de uma espiritualidade saudável são provedores de equilíbrio e harmonia. 

            Temas como esperança, perdão e amor, profundamente enraizados nas tradições religiosas, são também temas que influem profundamente na saúde das pessoas. Há tempos as religiões já sabiam o que pesquisas vêm demonstrando cientificamente: que as pessoas encontram força na fé para superar suas dores, seus sofrimentos e até mesmo doenças graves e seus temores diante da finitude da vida. Deus, assim como lembra o profeta Isaías, não esquecerá de nenhum dos seus: “Mesmo que uma mãe esqueça do seu filho eu não esquecerei de ti”, Isaías 49.15. E isso dá a cada um que tem fé um inestimável sentimento de pertença. E isso faz bem.
 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A fé é a força inversa do medo

A "Balsa da Medusa" é uma pintura intrigante. Inspirado nas narrativas dos sobreviventes de um naufrágio ocorrido com um navio do governo francês que transportava colonos para o Senegal, em 1816, o pintor francês Théodore Géricault (1791-1824), pintou, em 18 meses de trabalho ininterrupto, o que veio a ser a sua obra prima.  A tragédia, ocorrida em 2 de julho, deveu-se à superlotação e à imperícia do Comandante Hugues Chaumareys, um protegido de Luís XVIII, rei da França. As 147 pessoas que não conseguiram lugar nos botes salva-vidas amontoaram-se em uma pequena jangada construída precariamente com tábuas, cordas e partes do mastro no qual ainda tremulavam pedaços da vela. Chamaram-na "Balsa da Medusa". 
O que me impressiona nessa obra prima é a beleza com que o pintor conseguiu retratar as atitudes de cada homem sobre a jangada. Há os que já desistiram, há os que lutam para não desacreditar, há os que olham para trás. Há também quem acene para o horizonte na esperança desvairada de enxergar salvação.
Não seríamos nós assim? Talvez tenhamos um pouco de cada um desses homens. O milagre acontece quando a coragem de viver vence o medo de viver. Uma frase escrita numa tabuletinha de madeira de demolição, que fica sobre a minha mesa de trabalho, lembra-me todos os dias que "a fé é a força inversa do medo"



Que a ESPERANÇA com letras maiúsculas e com raízes em solo divino habite nossos corações e dirija sempre nosso olhar para além da nossa dor, seja ela qual for.

Desejo a todos e todas essa ESPERANÇA e muita PAZ.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Inteligência Espiritual

Sugestão para uma boa leitura: Espiritualidade e finitude - aspectos psicológicos, organização de Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro, publicado pela Editora Paulus, em 2006.

O texto abaixo é um dos assinados pela Dulcinéa e leva o título: Encontrando Deus: viver in transitus.

"Após viagens feitas à Africa e Novo México, Jung (1975) declara que se convenceu de que idéias de imortalidade são inatas nos povos, e elas foram sendo agrupadas em diferentes religiões. O homem de Neandertal já percebe que pertence a uma realidade maior que o ultrapassa; enterrava os seus mortos com utensílios e comida para ajudá-los na viagem ou na transição da alma. Alguns até eram colocados em posição fetal e pintados com hematita, indicando assim uma possível crença no resnascimento. Eliade (1978), Garaudy (1981) explicitam a presença da dimensão espiritual em monumentos, como as tendas de pedras para proteger os mortos, em incrições mágicas encontradas, desde os primórdios da civilização.

Estudos científicos atuais concluem que, além da inteligência emocional - Q.E., há a inteligência espiritual - Q.S., Zohar e Marshal (2002) assim a definem: "é a inteligência espiritual com que abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor, a inteligência com a qual podemos pôr nossos atos e nossa vida em um contexto mais amplo, mais rico, mais gerador de sentido... É a nossa inteligência final".

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Palavra transborda das palavras

Procurado de todas as maneiras e meios pelos seres humanos, Deus tem sido, desde sempre, um enigma que há quem queira decifrar. Homens e mulheres, não importa a idade ou a formação, em algum momento irão manifestar a inquietude que Castro Alves colocou no poema Vozes d’África: “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes. Embuçado nos céus?”


Se o que habita a nossa alma é a idéia de um Deus severo, um juiz punitivo, o sofrimento trará consigo um sentimento de abandono ainda maior. Quando não temos certeza que pecado poderia ser o causador da desgraça, surge a dor como a de uma criança que recebe um castigo sem entender a razão. Então, podemos clamar com Jó: “Dize-me de que me acusas!” (Jó 10.2).

No Antigo Testamento é comum a ideia de um Deus punitivo e controlador. Mas, essa não é toda a imagem de Deus, ele também, ali é apresentado como redentor – como aquele que ouviu o clamor de seu povo e o libertou da escravidão. Abriu o mar para que o povo perseguido pudesse fugir por terra seca. Deu pão dos céus (maná) quando os hebreus estavam com fome e fez água brotar da rocha quando estavam com sede. E, apesar de tudo isso foi chamado de Senhor dos Exércitos cujo nome sempre foi impronunciável – ao povo hebreu (hoje o povo judeu) ainda é proibido pronunciar o nome de Deus. Neste contexto a doença é relacionada a um castigo vindo dos céus, uma forma de expurgar alguma culpa mesmo que não se saiba qual seja.

No Novo Testamento, em Jesus – Palavra encarnada e atuante – Deus foi além, mostra sua face ao ser humano. O Evangelista João escreve que “ninguém nunca viu Deus. Somente o Filho único, que é Deus e está ao lado do Pai, foi quem nos mostrou quem é Deus” (João 1. 18).

Em Jesus, Deus se faz gente . No Filho, o Pai mostra seu lado mais amoroso a quem não importa saber quem é pecador ou qual pecado foi cometido. Quando, por exemplo, os discípulos quiseram saber quem havia pecado para justificar a cegueira de nascença de um homem, Jesus responde: “Nem ele pecou, nem seus pais...” (João 9.3). Depois tratou de cuidar do cego, o acolheu, fazendo um emplastro com lodo feito da sua saliva e do pó da terra para em seguida convocar o doente: “Vai lavar o rosto no tanque de Siloé” (João 9.6,7). O cego foi ao tanque, lavou seu rosto, lavou seus olhos e voltou a ver.

A teoria do Deus castigador ou vingador cai por terra diante do sofrimento de inocentes. Diante de uma ala de oncologia infantil, por exemplo, vemos que “há dores que ultrapassam infinitamente toda forma de culpa”, como escreve a teóloga alemã Dorothee Sölle.

Mas também a idéia de um Deus amoroso não responde nossas perguntas, ao contrário, joga-nos mais dúvidas: Por que Deus me abandonou nesta minha dor?

É comum ver quem queira fazer de Deus um tapa-buracos quando outros métodos não dão conta de suas angústias. Há quem queira, enquadrá-la em suas crenças, tentando delimitar a Palavra de Deus entre as capas de sua Bíblia. Ali, sim, está a Palavra de Deus. Mas a Palavra transborda das palavras para dentro da vida, para dentro do mundo, para dentro de nós.