sexta-feira, 4 de junho de 2010

Dona Elisa, seus doces e histórias

(texto de Vera Weissheimer)
Sábado passado me permiti sair mais tarde da cama. Comecei abrindo as janelas da casa para abençoá-la com o cheiro de outono maduro. A janela da sala é ampla e fiquei ali me espreguiçando e deixando-me acordar pela manhã nublada, prometendo chuva.
O interfone (essas coisas da vida moderna que já não deixam mais os amigos nos surpreenderem!) me avisa que Dona Elisa quer vir ao meu apartamento.
Semanas atrás, Dona Elisa, uma simpática vizinha que sabe que sou colecionadora de pequenos e grandes causos da vida, havia dito que queria me presentear com uma dessas preciosidades. E lá estava ela, com um cesto cheio de doces, pão-de-mel, geléia de amora e a história escrita numa caligrafia trêmula de uma mão de 82 anos. Como agradecer tamanha generosidade? Quis acarinhá-la; então preparei uma mesa para o nosso café da manhã em minha cozinha e lá ficou ela sentada contando-me de tempos idos, histórias e causos que dão cheiro e gosto à vida.
Preserve suas histórias e causos, me diz sempre Dona Elisa, porque a poesia não escolhe somente os momentos belos de pôr-do-sol ou como esta manhã. A poesia está nas nossas frustrações, nas tristezas, nas perdas, para depois nos ensinar que as dificuldades surgem para nos fazer melhores e mais preparados para a vida.
Dona Elisa voltou para sua casa. E eu fiquei sorvendo essa história que ela me trouxe em meio às geléias.
Era uma vez um riacho de águas limpas e cristalinas que serpenteava montanhas lindíssimas. Em certo ponto de seu percurso, o riacho notou que à sua frente havia um pântano imundo, por onde teria que passar com as suas águas transparentes.
Olhou, então, para Deus e protestou: “Senhor, que castigo! Eu sou um riacho tão límpido, tão formoso, e você me obriga a atravessar um pântano sujo como esse? Como faço agora?”
E Deus respondeu: “Isso depende de sua maneira de encarar o pântano. Se ficar com medo, vai diminuir o ritmo de seu curso, dará voltas e, inevitavelmente, acabará misturando suas águas com as do pântano, o que o tornará igual a ele”.
Se você enfrentar o pântano com velocidade, com força, com decisão e coragem, vai atravessá-lo abrindo caminho em meio à lama. Deixará para trás parte de suas águas, mas vencerá o pântano. Mas o que é perder parte das águas para a tragédia comparado a se perder totalmente no pântano?
Assim é a vida. As pessoas engatinham nas mudanças. Quando ficam assustadas, paralisadas, pesadas, tornam-se tensas e perdem a fluidez e a força. É preciso entrar para valer nos projetos da vida.

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