sexta-feira, 4 de junho de 2010

Os casamentos

(texto de Vera Weissheimer)









A pior maneira de manter um casamento  é privando o outro de sua liberdade.
Se você amarrar dois pássaros, eles terão quatro asas, mas nunca conseguirão voar.  (Djeladin Rumi)


As chuvas de março trazem um cheiro de terra molhada, mesmo onde o asfalto já sepultou quase todos os jardins e os playgrounds têm grama artificial. O cheiro é tão convidativo que levanto da cama e no escuro da sala vejo pela janela a cidade sendo lavada. A noite é quebrada por raios vorazes. Depois, novamente, a calma da chuva como o bater calmo do coração do homem que convida você para deitar sobre seu peito para, mais uma vez, refazerem os acordos, para depois desfazê-los e quebrá-los novamente. Afinal, acordos são para isso.


Casamento é um fazer acordos e quebrar acordos firmados por dois apaixonados para depois fazer outros, mais de acordo com a nova fase do amor. O amor tem mais fases que a lua, mais tensões que as mulheres em período menstrual.


Mas a vida fica mais leve e o casamento, essa aliança que você faz com alguém, terá mais sentido se estiver verdadeiramente apaixonado por você mesmo. Isso é obvio demais? Mas também o óbvio precisa ser repetido até fazer sentido. Precisamos nos amar profundamente para amarmos outra pessoa. Do contrário, amamos mal.


Apaixonar-se pela gente é a mais difícil das tarefas. Comece por apaixonar-se pelas suas memórias mais deliciosas. Ninguém pode tirá-las de dentro de você, seus causos, suas risadas mais endiabradas, aqueles momentos em que você teve coragem de desembarcar da tristeza, tudo isso será uma excelente fonte de inspiração em momentos escuros.


Pare de acreditar que o outro será o seu remédio, a sua metade, aquela porção que vai completar o imenso buraco de sua alma. Isso é tarefa grandiosa por demais para jogar assim sem mais nem menos nas mãos de nossos amados e amadas. Seremos sempre frações, mas ainda assim, é possível ter momentos de completude sozinha numa madrugada diante da janela vendo a chuva bater contra o vidro.


Há um rio de forças e de luz que corre ai dentro de você. É preciso entrar nessas águas sem tantos medos. Então, vai encontrar ali o seu ponto de ligação com o divino, o fio invisível que conecta você aos mistérios da vida. Você continuará fração, mas a busca pela plenitude já não estará mais no outro mas em você mesmo, no encontro profundo e íntimo com as partes que ficaram perdidas em algum lugar.


O amor de duas pessoas inteiras, ainda que fracionadas, é mais saudável, haverá mais aconchego, menos exigência, mais respeito e muito mais perdão.


Para ir ao encontro dessas águas que correm em você, não há receita, nem cartilha ou métrica. Mas é preciso aceitar que a maré suba e inunda tudo, que a correnteza derrube, que o barco vire.


Permita-se ancorar em outras margens e as pedras no caminho lhe darão impulso.


Então, apaixone-se sempre de novo por você, pelos seus segredos. Afinal, precisamos de segredos e mistérios, para não sucumbir às banalidades dessa vida e às cobranças dos outros. Apaixone-se sempre por seus pontos fortes mesmo que os pontos fracos insistam em ficar em alto relevo no seu cérebro. Apaixone-se por suas idéias, mesmo que tenham dito que elas não serviam para nada. Apaixone-se pela música que você pode ser para alguém. Apaixone-se por você e será mais feliz com quem estiver ao seu lado.


Fecho a janela, me despeço da chuva e volto para a cama onde dorme meu amor coberto pela madrugada.

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