terça-feira, 6 de setembro de 2011

Dê-me três razões para continuar viva...

(Lya Luft. Perdas e Ganhos. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 2003 p. 54-55)


A mulher estava pegando as chaves do carro (o marido já tinha saído para levar as crianças à escola) quando tocaram a campainha.
Vagamente irritada, pois já se atrasara o bastante, ela abre a porta:
- Sim?
O rapaz alto e estranho, andrógino, belo e feio, alto e baixo, negro e louro, faz um sinalzinho dobrando o indicador:
- Vim buscar você.
Não era preciso explicar, a mulher entendeu na hora: o Anjo da Morte estava ali, e não havia como escapar. Mas, acostumada a negociações, mesmo perturbada ela rapidamente pensou que era cedo, cedo demais, e tentou argumentar:
- Mas, como, o quê? Agora, assim sem aviso sem nada? Nem um prazo decente?
O Anjo sorri, um sorriso bondoso e perverso, suspira e diz:
- Mas ninguém tem a originalidade de me receber com simpatia neste mundo, ninguém nunca está preparado? Está certo que você só tem 40 anos, mas mesmo os de 80 se recusam.
A mulher agarrou firme a chave do carro, que afinal encontrara na bolsa, e insistiu:
-Vem cá, me dá um chance.
O Anjo teve pena, aquela mulher estava realmente apavorada. Ah! Os humanos... Então teve um acesso de bondade e concedeu:
-Tudo bem. Eu te dou uma chance, se você me der três boas razões para não vir comigo desta vez.
(Passava um brilho malicioso nos olhos azuis e negros daquele Anjo.)
A mulher aprumou-se, claro, ela sabia que ia dar certo. Mas quando abria a boca para começar sua ladainha de razões, muito mais que três, ah sim, o Anjo ergueu um dedo imperioso:
- Espera aí. Três razões, mas...não vale dizer que é por que o marido e filhos precisam de você. O que interessa é você, você mesma.Por que valeria a pena ainda deixa-la por aqui algum tempo?

Com que argumentos persuadiríamos o anjo visitante de ainda não nos levar?




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