domingo, 11 de setembro de 2011

Ele dorme em nosso barco

Afasto-me da janela. Acendo uma vela para espantar a escuridão da sala. De repente, sinto dor, tanta dor que já nem sei se é no corpo, n’alma ou se é medo de não ser. Escorro pelas paredes como um relógio de Salvador Dalí. Sinto-me líquida, sem forças para abrir a janela e respirar o ar lá de fora – promessa do vento, que vejo lamber as árvores. Ah! É-me pesado demais respirar. A dor é faca afiada que entra na carne e lá se revolve estraçalhando, abrindo sulcos como o torno que gira em minha cabeça. Nesses momentos, e só nesses momentos, consigo concordar com Schopenhauer, filósofo alemão, que disse que a vida se resume na tristeza. Na maior parte do tempo, acredito que o sofrimento é necessário, mas a alegria é revolucionária e nos liberta. Isto é Nietzsche, outro filósofo. A tristeza debilita nossa alma, mas também nos leva para um poço profundo dentro de nós. Enquanto caímos, vamos perdendo nossas forças para redescobri-las lá no fundo. Precisamos nos esvaziar daquilo que julgávamos que nos pertencia, nossas forças, nossos amores, nossas alegrias, nossas perdas. Parece um contrassenso encontrar as forças em nossa mais dolorida fraqueza. Mas é lá, no mais profundo de nosso poço interior, que descobrimos que há um recomeço possível. Há um mistério que nos liga com algo que transcende a nossa própria vida, com aquilo que não conhecemos e não chegaremos a conhecer, justamente porque é mistério. Quando descobrimos esse fio de ligação com o sagrado, somos salvos de nossa própria arrogância. Lembro do desespero dos discípulos de Jesus que não conseguem
se conter diante do pânico dentro de um barco que parece querer virar, assolado pelos ventos de uma tempestade em alto mar. São tomados de uma profunda decepção e tristeza ao perceberem que seu mestre dorme sobre a almofada do timoneiro na proa (Lucas 8.22-25). Como disse Tereza de Ávila: “Se ele dorme em nosso barco, porque ter medo?”. Que possamos (tentar) enterrar as tristezas, as sombras e os medos e ir atrás da alegria perdida, porque também o Mestre espantou as tempestades,
acalmou o mar. Ele dorme em nosso barco, por que então o desespero com a tempestade?
(Vera Cristina Weissheimer do livro "Escolhas")

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